Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, astrônomo e físico “Deus é único, permanente e cósmico” Ana Elizabeth Diniz -
OLHOS:
“A quantidade de CO2 lançada pelos vulcões é muito superior à liberada pela atividade humana”
“Não se faz ecologia com um pensamento imediatista, procurando solucionar os problemas de degradação do meio ambiente no tempo presente. A ecologia volta-se, antes de tudo, para o futuro”
“A aplicação dos conceitos de evolução de Charles Darwin ao Cosmo dá uma nova dimensão à questão ambiental no espaço”
“A Terra funciona como um grande organismo autorregulador global e, talvez, único no Sistema Solar”
“Todas as religiões convergem para uma finalidade única que é a tentativa do bem comum. Mas, às vezes, nessa luta do bem comum se comete muita injustiça”
. Ele já publicou mais de 85 livros, entre eles, o “Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica”, com cerca de 20 mil verbetes, único do gênero no mundo. Agora, acaba de lançar “Astronomia e Budismo”, em coautoria com o humanista Daisaku Ikeda. Seu nome está gravado no Sistema Solar, mais exatamente, no asteroide 2590. O carioca Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, de 74 anos, tem colocado sua genialidade a favor da pesquisa astronômica e seu trabalho tem projeção mundial. Sua trajetória começou em 1952, quando seus primeiros artigos de divulgação científica foram publicados na revista “Ciência Popular”. Em 1956, ainda estudante, foi nomeado auxiliar de astrônomo do Observatório Nacional. Suas principais contribuições astronômicas foram efetuadas no campo das estrelas duplas, asteroides, cometas e estudos das técnicas de astrometria fotográfica. Idealizou e fundou, em março de 1984, o Museu de Astronomia e Ciências Afins, do qual foi o primeiro diretor até abril de l989. Nessa entrevista exclusiva à Revista ECOLÓGICO, o astrônomo vai tecendo a rede que permeia a dinâmica interestelar, passa pelo aquecimento global e pelo conceito de que diversidade cósmica é uma prova que permite compreender a existência de uma evolução que rege o Universo, orquestrado por um Deus cósmico, que originou esta vida.
REVISTA ECOLÓGICO: Qual é a sua visão sobre a questão ambiental planetária? RONALDO MOURÃO: A aplicação dos conceitos de evolução de Charles Darwin ao Cosmo dá uma nova dimensão à questão ambiental no espaço. Para que se tenha uma rápida ideia da diversidade cósmica em uma escala mais próxima, o próprio Sistema Solar apresenta planetas, cometas, asteroides, meteoros, satélites naturais e pequenos corpos celestes de grandes proporções e diversidade. Numa faixa de proximidade do Sol, os planetas são sólidos, como é o caso de Mercúrio, Vênus, Terra e Marte. Depois do conhecido cinturão de asteroides, região onde provavelmente há milhões de anos um planeta explodiu ou deixou de se constituir (deixando ali centenas de milhares de fragmentos), encontram-se os chamados planetas gasosos, mundos em formação, como os gigantescos Júpiter, Saturno, Urano e Netuno, todos apresentando anéis ao seu redor. Nas fronteiras do Sistema Solar surgem outros corpos celestes superiores em dimensões a Plutão, que passou a ser o principal planeta anão de um novo cinturão – o de Kuiper – de objetos transnetunianos, chamados plutoides. Essa astrodiversidade cósmica, contudo, atinge um grau de complexidade inimaginável, além do nosso sistema planetário e também nas outras galáxias.
. Qual a dinâmica do espaço interestelar?
A presença de poeira cósmica, a chamada matéria escura (predominante no Universo), estrelas supergigantes, estrelas-anãs, estrelas de nêutrons, buracos negros, pulsares, quasares, nebulosas e galáxias oferecem uma complexidade cósmica que, apesar dos esforços dos cientistas, ainda abrigam mistérios que estão muito distantes de serem revelados. O alcance dos telescópios espaciais, em particular o Hubble, colocado em órbita pela Nasa (EUA) e pela European Space Agency (ESA), tem proporcionado descobertas até então inimagináveis. Parece que, quanto mais descobertas são feitas, mais enigmas surgem, como incógnitas em busca de uma explicação científica. Tão rica quanto a flora e a fauna terrestre que Darwin explicou, a diversidade cósmica é uma prova que permite compreender a existência de uma evolução que rege o Universo. Além das questões relativas à diversidade das espécies, aos ciclos de sua existência, à estabilidade de seus números, presentes no ecossistema, a ecologia ocupa-se desde o estudo do indivíduo no meio (autoecologia) até a biosfera (biogeoquímica). Foi essa globalidade de visão que me conduziu à ideia da ecologia cósmica, estimulado, sem dúvida, pelo processo de luta dos ecologistas de combate permanente com hipóteses às vezes contrárias ao dogmatismo científico.
Houve avanços nesse caminhar da luta ambiental?
A ecologia passou de uma etapa mais genérica, durante o século XIX, para outra de diversificação, no começo do século XX, para, finalmente, depois dos anos 50, atingir uma concepção sistemática e unitária. Seu objeto de estudo passou do ecossistema para a biosfera, que sofre influência do meio interplanetário vizinho e até do meio intergaláctico. Isso para não dizer intercósmico, quando nos ocupamos das modificações da atmosfera por efeitos de origem externa à biosfera, como a atividade solar e, muito além, da própria poluição das nuvens cósmicas que poderão nos atingir, produzindo um longo e intenso inverno na biosfera terrestre.
Há saída para o aquecimento global? Ainda há tempo?
Sim. O mais importante é que a humanidade está tomando consciência do problema. Há pelo menos oito mil anos, depois da descoberta da agricultura, o homem vem intervindo na biosfera. Todavia, nos últimos decênios a situação se tornou preocupante. Em 1957, no Observatório de Mauna Loa, no Havaí, sob a direção de Charles David Keeling, uma série de medidas, muito precisas, mostrou que a concentração de gás carbônico na atmosfera era de 318 partes por milhão (318 ppm) de volume. Hoje, segundo os resultados de diversas estações distribuídas pelo globo, essa contração ultrapassa 350 ppm. É indiscutível que, nos últimos 30 anos, vem ocorrendo um aumento significativo e bastante regular da proporção de CO2 na atmosfera. Para compreendermos a situação atual, convém compará-la à do início do século, quando a concentração de CO2 era de 290 ppm. Algumas estimativas sugerem que o máximo na última glaciação teria sido de 200ppm.
E o efeito estufa?
A quantidade de CO2 lançada pelos vulcões é muito superior à liberada pela atividade humana. Assim, na época terciária, deve ter havido 40 mil vezes mais dióxido de carbono que atualmente. Toda essa massa de gás carbônico se encontra, hoje, sob a forma de carbonato de cálcio ou magnésio nas rochas ou ainda sob a forma de calcário no fundo dos oceanos, bem como nos vegetais da época. Apesar de saber que o grande absorvente de dióxido de carbono são os oceanos, os cientistas não têm certeza sobre até que ponto o gás carbônico produzido pelo homem poderá ser absorvido pelos oceanos. Realmente, só as camadas superficiais, até dez metros de profundidade aproximadamente, efetuam essa absorção. Logo que elas ficam saturadas, as águas profundas agem mais lentamente, quando então a transferência torna-se extremamente difícil, pois essas camadas não se misturam facilmente. Como tal troca é da ordem de 5% ao ano, uma renovação total da camada superficial deve levar milhares de anos. Atualmente, o homem tem certeza de que o planeta está se aquecendo em consequência do efeito estufa – produzido pela queima de combustíveis fósseis e carvão. Já em 1963, o meteorologista norte-americano Moeller havia avaliado o impacto sobre o clima da elevação da taxa de gás carbônico na atmosfera. Partindo da temperatura média atual do planeta (15 graus Celsius), de uma umidade relativa de 75% e uma nebulosidade global de 50% avaliadas, segundo fotografias obtidas com satélites meteorológicos, Moeller encontrou uma elevação mínima de 1,5 grau para uma duplicação da taxa de CO2, o que é previsto para os próximos 50 anos.
Considerando que a Terra é um organismo vivo, contemplar o céu nos dá alguma pista sobre o futuro do planeta?
Toda vida no nosso planeta depende das alterações que ocorram no espaço exterior, como, por exemplo, as variações cíclicas da atividade solar, as ameaças de colisão com um grande meteorito (como ocorreu no fim do Mesozoico, e provocou o desaparecimento dos dinossauros) e até mesmo das emissões de uma estrela supernova que venha a explodir, na Via Láctea, relativamente próxima ao nosso sistema planetário. Estamos habituados a discutir as mudanças que ocorrem nos sistemas naturais diariamente, ao acompanharmos as variações climáticas que se seguem às estações do ano, nos esquecendo das que ocorrem gradualmente em períodos mais longos, como as eras glaciais, as alterações que surgiram em consequência da lenta variação do movimento do eixo de rotação da Terra (em cerca de 26.000 anos) e da excentricidade da órbita da Terra, felizmente muito pequena, que ocorre a cada 40 mil anos.
. Há indícios de evolução dessa realidade?
Na Terra, a atmosfera e os oceanos têm propriedades extremamente preciosas e sui generis, que parecem não ter evoluído a partir de processos meramente aleatórios. Sua temperatura, alcalinidade e composição química mantêm-se quase constantes. Ao contrário do que ocorrem nas outras atmosferas planetárias, a terrestre contém uma elevada concentração de oxigênio, que se mantém constante, apesar da presença de nitrogênio, metano e hidrogênio e outros reagentes potenciais da atmosfera. Tal anomalia, em escala planetária, como muito bem sugeriu Lovelock, só pode ser atribuída à presença da vida na superfície de nosso planeta. A vida cria para si mesma uma biosfera para nela se manter viva. Na verdade, a Terra funciona como um grande organismo autorregulador global e, talvez, único no Sistema Solar.
. O que significa essa atividade ecológica?
É uma ação conjunta de diversos setores da ciência, desde a biologia até a astronomia, passando pela geofísica e a meteorologia. Não se faz ecologia com um pensamento imediatista, procurando solucionar os problemas de degradação do meio ambiente no tempo presente. A ecologia volta-se, antes de tudo, para o futuro. E o futuro significa uma visão ampla de todos os problemas que envolvem a vida do homem no Universo, onde seguramente não somos os únicos. Na verdade, a ecologia é uma atividade pluridisciplinar de amplitude universal; daí o conceito de ecologia cósmica que procuramos apresentar ao discutir diversos problemas que ameaçam o meio ambiente numa escala espacial. A longevidade das civilizações inteligentes vai depender não só de sua capacidade de controlar seu ascendente poder de autodestruição, respeitando e conservando o equilíbrio ecológico, mas, sobretudo, de sua capacidade de desenvolver métodos de previsão, assim como tecnologias capazes de defendê-las de situações catastróficas que podem surgir a qualquer momento na história do cosmo.
Qual o seu conceito de Deus?
Quando se diz – Deus presente, onipotente, onipresente, estamos falando indiretamente para aqueles que creem em Deus. Devemos lembrar que há várias formas de Deus. Particularmente, acredito em um Deus cósmico e que originou esta vida. Um Deus que está permanente, que é único. Cada um de nós cria em sua religião pessoal uma forma de Deus. Cada um de nós quer ter a sua individualidade de criar um Deus para si e tem esse direito. Isso é fundamental, mas no fundo esse Deus é único, mas não conseguimos visualizar essa unidade. Todas as religiões convergem para uma finalidade única que é a tentativa do bem comum. Mas, às vezes, nessa luta do bem comum se comete muita injustiça.
Publicado na Revista Ecológico em 5 de abril de 2010. |
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