quinta-feira, 24 de março de 2011

SIMETRIA - PRISMA


Mas então em que se baseiam estas teorias da Física de Partículas? Num dos conceitos mais importantes de toda a Ciência - o de Simetria. Todos nós já pensámos em simetria (pelo menos quando nos olhamos ao espelho) e temos alguma ideia intuitiva sobre o significado desta palavra. Em linguagem matemática, simetria poderia definir-se como uma operação geométrica que deixa um objecto inalterado.

Vamos dar um exemplo simples e falar de simetria em rotações.

Uma simetria rotacional corresponde a observar que podemos rodar um objecto em torno de um dado eixo de forma a que ele fique inalterado. Na figura seguinte está exemplificado o exemplo de um quadrado: (I estado inicial; II rotação de 45°, III, rotação de 90°).


quadrado
I
quadrado rodado de 45°
II
quadrado rodado de 90°
III
Para o quadrado existem quatro ângulos segundo os quais podemos rodar a figura em torno de um eixo perpendicular que passa pelo seu centro, sem que o quadrado se altere. Esses ângulos são 90°, 180°, 270° e 360°. Este tipo de simetria chama-se Z4.

Se em vez do quadrado tivéssemos um triângulo, seriam 3 os ângulos de rotação que deixavam o triângulo inalterado: 120°, 240° e 360°, ou seja, uma simetria do tipo Z3. Na figura em baixo mostra-se o estado inicial do triângulo (I), o triângulo após uma rotação de 60° (II) e após uma rotação de 120° (III):


triângulo equilátero
I
triângulo equilátero rodado de 60°
II
triângulo equilátero rodado de 120°
III
Imaginemos agora que queremos rodar um círculo, quais são os ângulos que o podemos rodar de forma a que não se altere? A resposta é: todos! A esta simetria chama-se U(1) - mas repare-se que esta invariância de rotação, para todos os ângulos, só se verifica para um único eixo de rotação, o eixo perpendicular ao círculo que passa pelo seu centro. Para uma demonstração destas simetrias, clique aqui (animação Powerpoint).

círculo
Mas o que é que isto das simetrias tem a ver com a Física? É curioso, mas cada uma das interacções que discutimos nos capítulos anteriores tem um grupo de rotações associado!

Interacção Grupo de Simetria (ou de Gauge) Número de "eixos de rotação" Partículas mediadoras
Nuclear Fraca
SU(2)
3 Z0, W+/-
Electromagnética
U(1)
1 γ (fotão)
Nuclear Forte
SU(3)
8 8 gluões

Por exemplo, o Electromagnetismo tem associado o grupo U(1). Parece incrível, mas é este grupo de simetria tão simples que está por trás da teoria do Electromagnetismo. Em relação às forças nucleares fortes e fracas, elas têm associadas os grupos de simetria SU(2) e SU(3), que são grupos de simetria um pouco mais complicados do que aqueles descritos em cima.

Em relação ao grupo SU(2), este tem uma interpretação simples: corresponde ao grupo das rotações que podemos efectuar sem alterar o ângulo entre dois vectores. É muito simples: peguem em duas canetas e segurem-nas com as pontas juntas, de forma que façam um ângulo entre elas. Pronto? Agora tentem rodar as canetas de forma a que o ângulo entre ambas fique sempre na mesma. Uma forma de o fazer é manter uma das canetas imóvel e fazer a outra rodar em torno da primeira. Ou então, rodar ambas as canetas ao mesmo tempo, segurando-lhes as pontas de forma que o ângulo entre elas não se altere.

Para aqueles com alguma formação geométrica, considerem um sistema de eixos perpendiculares X, Y, e Z. Se fizerem coincidir uma das canetas com o eixo dos Z podem fazer a segunda caneta rodar em torno desse eixo e o ângulo fica na mesma. Ou então podem pegar em ambas as canetas e rodá-las, conjuntamente, mantendo-as no plano YZ (rotação em torno do eixo dos X) ou no plano ZX (rotação em torno do eixo dos Y). O que se mostra é que existem só três eixos de rotação perpendiculares entre si em torno dos quais se podem rodar as duas canetas mantendo o ângulo relativo fixo.

Esquema que descreve o significado geométrico da simetria SU(2).
Esquema que descreve o significado geométrico da simetria SU(2). 
O grupo SU(3) das interacções fortes não tem uma interpretação geométrica simples, como o U(1) ou o SU(2). Também lhe corresponde um tipo de "rotações", mas agora em vez de uma ou três rotações, temos oito "eixos de rotação" possíveis. Outro facto interessante é que o número de partículas mediadoras para cada interacção corresponde ao número de "eixos de rotação" correspondentes a cada grupo.

Relembre-se que para o grupo U(1), responsável pelo Electromagnetismo, só havia um eixo para o qual uma rotação segundo um ângulo qualquer deixava o círculo inalterado - e o Electromagnetismo só tem um tipo de partícula "mediadora"! Já às interacções fracas corresponde o grupo SU(2), com três eixos associados - e também três tipos de partículas mediadoras, os dois bosões W+/- e o bosão Z0. E o grupo SU(3) das interacções fortes tem oito "eixos de rotação" - exactamente o número de gluões que servem de mediadores desta interacção.

Este é um dos melhores exemplos da notável correspondência entre a Matemática que usamos para descrever os nossos modelos e a realidade observável - uma grandeza puramente matemática, o número de "eixos de rotação" de um grupo de simetria (em linguagem matemática rigorosa, o número de geradores desse grupo), corresponde a algo de muito simples, o número de partículas mediadoras da interacção descrita por essa simetria.
Animação de uma borboleta a bater as asas.
Um dos exemplos mais conhecidos de simetria no mundo animal 
A simetria está prevalecente na Ciência, encontramo-la por todo o lado. E, na Física de Partículas, a existência de simetrias de gauge permite-nos estabelecer, de forma clara e sem ambiguidades, a forma como as partículas elementares interactuam entre si. As experiências levadas a cabo um pouco por todo o mundo confirmam estes princípios de simetria com um grau de precisão estarrecedor.


 Fonte:
PRISMA
À LUZ DA CIÊNCIA
 
http://cftc.cii.fc.ul.pt/PRISMA/capitulos/capitulo1/modulo2/topico4.php

UNIFICAÇÃO DE GAUGE - PRISMA



Rastos de partículas em detectores.
Rastos de partículas em detectores. 
 
Esquecendo por agora a força gravítica, até cerca dos anos 60 do séc. XX a situação da Física de Partículas era que tínhamos teorias quânticas bastante bem sucedidas para três das interacções fundamentais (nuclear forte, nuclear fraca e electromagnetismo). A cada uma destas 3 forças correspondia uma intensidade específica bem diferente, partículas mediadoras diferentes e um conjunto de fenómenos muito diferentes. Ou seja, à primeira vista não havia nada de comum entre estas três interacções.

No entanto, no final da década de 60, os físicos Glashow, Salam e Weinberg provaram que as forças nuclear fraca e electromagnética estão intimamente ligadas, criando assim uma nova teoria chamada electrofraca. Foi o primeiro indício que a grande diversidade das interacções quânticas poderia ser enganadora - que poderia haver uma descrição mais simples, uma descrição unificada, destas interacções.

Representação da colisão entre um electrão e um positrão num detector de partículas.
Representação da colisão entre um electrão e um positrão num detector de partículas. 
 
Ao conjunto destas teorias que explicam as interacções forte e electrofraca dá-se o nome de Modelo Standard. Este modelo é a teoria mais bem sucedida da história da Ciência - tem um poder de previsão assombroso, estando de acordo com os resultados experimentais até às oito casas decimais em algumas grandezas! Nenhuma outra teoria científica tem um tal grau de precisão. E o mais espantoso é que este modelo foi construído partindo dum princípio muito simples, o princípio de simetria, do qual falaremos na próxima secção.

Mas quando falamos de Unificação das diversas interacções, a que nos referimos ao certo? Trata-se de uma ideia muito simples e que é motivada, até certo ponto, por observações experimentais. Anteriormente vimos que cada uma destas interacções tem uma intensidade diferente. No entanto, o que sucede é que o valor destas intensidades varia com a escala de energia a que as estudamos. Por exemplo, quando se dá uma colisão de um electrão com outros electrões a energias muito altas, ele "sente" os outros electrões com uma interacção electromagnética mais forte. É como se o valor da carga eléctrica de cada um dos electrões se estivesse a tornar maior à medida que a escala de energia sobe.

Extrapolação que mostra três das forças existentes na Natureza a convergirem para uma só.
 
Extrapolação que mostra três das forças existentes na Natureza a convergirem para uma só.
Ou seja, a força electromagnética torna-se mais intensa à medida que a energia aumenta. Estudos semelhantes mostram que a força nuclear fraca também se torna mais intensa com o aumento da energia, enquanto a força nuclear forte enfraquece à medida que subimos na escala de energia. O Modelo Standard permite-nos calcular a variação com a energia da intensidade destas forças e o resultado desse cálculo está representado na figura anterior.

O eixo horizontal tem unidades de "GeV", que significa giga electrão-volt e é aproximadamente a energia correspondente à massa de um átomo de hidrogénio, uma quantidade de energia muito elevada, muito para lá das energias típicas do nosso dia-a-dia. No entanto, nos aceleradores de partículas, conseguimos chegar a energias da ordem de 104GeV, energias tão grandes que nem sequer existem no núcleo das estrelas! Mas, do estudo da cosmologia, concluímos que estas energias eram típicas numa fracção de segundo após o Big-Bang (que pensamos que se deu a uma energia de 1019GeV) que deu origem ao Universo.

Representação do Big Bang.
Representação do Big Bang. 
 
Se extrapolarmos os valores das curvas teóricas descobrimos que as três curvas se cruzam a uma energia de 1016GeV, a chamada escala de unificação, ou seja, a esta escala é como se estas três forças fossem apenas uma.

Repare-se que só temos dados experimentais até 104 GeV - a partir daí, estamos a especular. Mas o que estes dados sugerem - se a teoria de facto estiver correcta em prever a evolução dos valores das forças até escalas muito elevadas - é que aquilo que nós julgamos serem três forças diferentes à nossa escala não são mais que manifestações de uma única interacção, que, à escala de unificação, se "partiu" em três.

Acredita-se que, imediatamente a seguir ao Big Bang, existia apenas esta força única. À medida que o Universo foi arrefecendo, ela separou-se nas 3 forças diferentes que observamos hoje, num processo análogo às transições de fase que a matéria sofre - por exemplo, a transformação de água líquida em gelo quando a temperatura baixa.

A beleza de se vir a encontrar uma tal Teoria Unificada seria conseguir explicar uma série de fenómenos diferentes, provocados por cada uma das três interacções, com uma única teoria - uma unificação comparável à que Maxwell alcançou no século XIX com o Electromagnetismo.

 Fonte:
PRISMA
À LUZ DA CIÊNCIA
 
http://cftc.cii.fc.ul.pt/PRISMA/capitulos/capitulo1/modulo2/topico3.php

RELAÇÕES DE INCERTEZA DE HEISENBERG


Na descrição não quântica do movimento de um pequeno objecto faz sentido dizer que num certo instante ele está em determinado ponto. Nesse mesmo instante também é possível determinar a sua velocidade. Dito por outras palavras: em cada instante posso saber onde está e para onde vai.

Imaginemos agora que estudamos o movimento de um electrão. Já sabemos que a descrição quântica deste sistema é feita, em cada instante, por uma função de todo o espaço, Ψ(x) . Esta função, designada por função de onda, é em geral complexa e o seu módulo representa a densidade de probabilidade. Isto quer dizer que se considerarmos um ponto x0 e um intervalo de “tamanho” Δx  em torno de x0 a probabilidade de encontrarmos o electrão nesse intervalo é |Ψ(x0)Δx .

A figura seguinte mostra alguns exemplos de funções de onda simples.
Função de onda ao longo do tempo.
Função de onda ao longo do tempo.
No primeiro exemplo a função é praticamente zero para quase todos os valores de x e só é não nula numa pequena vizinhança do zero. A probabilidade de encontrar o electrão fora dessa região central é portanto zero. Quanto mais estreito e alto for o pico mais localizado está o electrão. Assim as funções sucessivamente representadas na figura correspondem a electrões cada vez mais “deslocalizados”. A função de onda de um electrão completamente “deslocalizado”, isto é, um electrão que tenha igual probabilidade de ser encontrado em todo o eixo dos x é:
\Psi(x)=\exp(i\frac{mv}{\hbar}x)

onde m é a massa, v a sua velocidade e ħ é a constante de Planck dividida por 2π. A este electrão corresponde uma velocidade bem determinada v. Na verdade, conhecer o produto da massa pela velocidade, grandeza a que se dá o nome de momento linear, p = mv , é mais importante e mais geral do que saber a velocidade. Por esta razão continuaremos esta exposição em termos de x e p. Então, o exemplo anterior mostra o caso de um p bem definido e um x completamente indefinido. 

Modelo da nuvem electrónica para o átomo de hidrogénio.
Modelo da nuvem electrónica para o átomo de hidrogénio.

Ondas localizadas, como as representadas na figura, correspondem a uma sobreposição de um número muito grande de ondas do tipo da anterior, com valores de p diferentes. Mas quão diferentes? Imaginemos que sobrepúnhamos um número infinito de ondas com valores de p a variarem num intervalo de largura Δ centrado em p0 . O Ψ assim obtido corresponderia a um electrão localizado numa região de largura Δx

O que a teoria mostra, e a experiência confirma, é que electrões com grande dispersão no momento correspondem a pequena dispersão na posição e vice-versa. Grande dispersão no momento significa que são electrões que podem ter momentos muito diferentes. Pequena dispersão na posição significa que são electrões para os quais a posição é bem determinada. Os Δx e Δp podem ser encarados como incertezas na determinação da posição e do momento, respectivamente. O que a teoria mostra é que não podemos ter simultaneamente ambos arbitrariamente pequenos. Teremos sempre

\Delta{x}\bullet\Delta{p}\ge\frac{1}{2}\hbar

Esta é uma das Relações de Incerteza de Heisenberg. O que se disse para a coordenada x e a componente do momento linear segundo o eixo dos x dir-se-ia do mesmo modo para a posição segundo y e z e as respectivas componentes do momento.

Onda de probabilidade.

Estas relações são de tal maneira famosas que muitas vezes são quase identificadas com a própria Mecânica Quântica. Pior ainda! Têm sido vezes sem conta usadas erradamente e até mesmo abusadas por outros cientistas fora da Física. As relações não dizem que o conhecimento é sempre “nebuloso” e outras coisas no género. Posso determinar o momento dum electrão com a precisão que quiser, ou melhor, com a precisão que o meu engenho e arte forem capazes. 

De igual modo posso medir a sua posição. O que as leis da Física nos dizem é que existem variáveis que não se podem medir simultaneamente com precisão arbitrária.
 Fonte:
PRISMA
À LUZ DA CIÊNCIA
 
http://cftc.cii.fc.ul.pt/PRISMA/capitulos/capitulo1/modulo1/topico4.php

FÓTONS E ELETRONS - PRISMA


Nos últimos anos do século XIX foi identificada a carga eléctrica elementar, designada por electrão. A corrente eléctrica é assim constituída por vários electrões que se deslocam ao longo do fio condutor e quando um corpo está carregado electricamente, a sua carga é sempre um múltiplo inteiro da carga elementar do electrão. Dito por outras palavras: Não é possível partir o electrão em pedaços cabendo a cada um uma fracção da sua carga eléctrica.

Ferro em brasa.
Ferro em brasa
Todos os que já viram um ferro muito quente, aquilo que vulgarmente se designa por um ferro em brasa, puderam constatar que emite luz.

Primeiro emite uma luz avermelhada, depois, se continuarmos a aquecer, a luz torna-se mais alaranjada, aquecendo ainda mais, a luz emitida é mais branca, chegando mesmo a ficar azulada. 

Esta relação entre a temperatura de um corpo e a cor da radiação emitida é uma propriedade de todos os corpos. O corpo humano emite radiação no domínio do infravermelho, ao qual os nossos olhos não são sensíveis, mas que pode ser detectada com sensores apropriados. Os óculos de visão nocturna usados pelos soldados americanos no Golfo são um uso deste princípio.

Recordemos agora que a luz que os nossos olhos vêem é uma pequena porção de uma infinidade de outras luzes que não vemos. A cada cor que vemos corresponde uma certa frequência ω e um certo comprimento de onda λ. Estas duas grandezas não são independentes, antes pelo contrário, o seu produto é uma constante universal, a velocidade de propagação da luz no vácuo, c, ou seja:


ωλ = 2πc

No espectro visível, o vermelho é a cor a que corresponde a menor frequência e o violeta a que corresponde a maior frequência. Para além do violeta temos o ultravioleta que é bem conhecido dos amantes da praia, pois é imprescindível proteger a pele dos seus efeitos potencialmente cancerígenos. Continuando a caminhar no sentido de luz com frequências cada vez maior passamos ao domínio dos raios X e posteriormente dos raios gama, usados na terapia de certas formas de cancro.

No lado do vermelho e agora com frequências cada vez menores temos o infravermelho, usado, por exemplo, nos comandos das televisões, e as ondas de rádio. Nestas últimas, nas chamadas ondas longas, utilizadas em comunicações marítimas, o comprimento de onda é da ordem dos km. Por contraste, à cor amarela corresponde um comprimento de onda de cerca de 5×10-7 m e a radiação gama tem comprimentos de onda inferiores a 10-12 m.

Espectro da radiação electromagnética.
Espectro da radiação electromagnética.

Radiação do Corpo Negro

Para estudar esta relação entre a temperatura e o espectro da luz emitida, o melhor é construir um forno especial, constituído por uma cavidade aquecida, cheia de radiação a essa temperatura e isolada do exterior. Na figura seguinte mostra-se o espectro de um forno destes à temperatura de 5000 K.

Espectro radiação do corpo negro a 5000 K.
Espectro radiação do corpo negro a 5000 K.
O gráfico dá a densidade de energia, isto é, a energia por unidade de volume da cavidade, em função do comprimento de onda da radiação. Como se pode verificar, a esta temperatura o máximo da curva está na região do visível, mas também existe luz com maiores e menores comprimentos de onda. Se arrefecermos o forno o máximo desloca-se para a direita e afasta-se portanto da zona visível.

No final do século XIX conheciam-se bem as leis da Termodinâmica e, depois dos trabalhos de Maxwell, sabia-se que a luz era composta por ondas electromagnéticas. Era então possível calcular a densidade de energia no interior do forno e comparar com a experiência. O resultado foi surpreendente: – Na região dos grandes comprimentos de onda, a teoria concordava com a experiência, mas esta concordância era cada vez pior à medida que se comparavam as densidades de energia para comprimentos de onda menores. Esta afirmação está bem documentada na figura acima, na linha a tracejado. Este desacordo é tão notório que, na época, ficou conhecido com o nome de catástrofe dos ultravioletas.

Olhando para o gráfico, verifica-se que a curva a tracejado cresce sempre no sentido dos menores comprimentos de onda, o que significaria que a densidade de energia correspondente a luz com menores comprimentos de onda aumentaria progressivamente. Densidades de energia cada vez maiores correspondem a luz com comprimentos de onda cada vez menores.

A densidade de energia é a energia em cada centímetro cúbico da cavidade. Se esta densidade aumentasse sem limite, a energia no volume total do forno seria infinita, o que é evidentemente um absurdo.
Onda electromagnética.
Onda electromagnética.
O que está mal neste cálculo? Essencialmente, a teoria admitia que os átomos das paredes do forno funcionavam como pequenas antenas que emitiam e absorviam a radiação. Quando a cavidade estava em equilíbrio térmico, estas ondas eram estacionárias.
Onda estacionária.
Onda estacionária.
Para explicar este conceito, imagine uma corda fixa num extremo. Pegue na outra extremidade e agite a corda de modo a criar uma onda que se irá propagar ao longo da corda. Ao atingir a outra extremidade, a onda reflecte-se, volta para trás e interfere com a primeira. Desta interferência pode nascer uma onda estacionária quando, apesar da corda continuar a vibrar, os pontos de amplitude máxima e mínima permanecerem nos mesmos locais. Se uma corda fixa nas duas extremidades tiver um metro de comprimento, podemos gerar uma onda estacionária com λ = 2 m, cf. a figura, e considere que o outro extremo é o segundo ponto vermelho.

Podemos agora explicar qualitativamente porque falhava a teoria. Com comprimentos de onda grandes só era possível ter ondas estacionárias entre alguns pontos da parede da cavidade, tal como na corda do exemplo anterior. Contudo, para comprimentos de onda cada vez mais pequenos, é cada vez mais fácil encontrar pontos entre os quais se podem estabelecer ondas estacionárias. Não havendo nenhum limite, isto é, quando o comprimento de onda tende para zero, tende para infinito o número de possibilidades de encher a cavidade. Esta cavidade cheia com um número infinito de ondas teria então uma energia infinita.

Max Planck.
Max Planck (1858 - 1947)

A saída para este problema foi encontrada, no Outono de 1900, por um professor de Física da Universidade de Berlim chamado Max Planck. Planck postulou que a luz, tal como a electricidade, também tinha uma quantidade elementar, posteriormente designada por fotão. Assim, se tivermos uma cavidade com energia total Et cheia com luz monocromática, de apenas uma frequência ω, ela terá um número inteiro, N, de fotões e cada qual tem energia ħω. Assim temos:

Et = Nħω

onde ħ é a constante de Planck, h dividida por 2π.
Com esta hipótese Planck foi capaz de calcular a distribuição da energia no interior da cavidade e reproduzir exactamente os resultados experimentais. Essa distribuição é uma partição da energia total pelos fotões que correspondem a cada frequência do espectro. Nos pequenos comprimentos de onda a que, como já vimos, correspondem grandes frequências, cada fotão tem cada vez mais energia.

Assim, para transportar a mesma quantidade de energia, precisamos de cada um número vez menor de fotões. Logo os ultravioletas, que os nossos olhos não vêem, correspondem a fotões mais energéticos do que os do visível. Por esse facto penetram na pele e podem alterar as nossas células. Com maior facilidade estas alterações são conseguidas com raios X e mais ainda com radiação gama, a que correspondem fotões ainda mais energéticos. Aliás, o seu uso terapêutico é justamente a destruição de determinadas células.

Difracção

Quando um feixe luminoso atravessa um orifício, se as dimensões deste forem da mesma ordem de grandeza do comprimento de onda, o feixe alarga e vai também para os lados, i.e., ocorre difracção. Basta olhar de noite para a luz de um candeeiro e ir fechando progressivamente os olhos. Verifica-se que, quando estes estiverem quase fechados, ver-se-á o candeeiro maior. Este aumento é justamente devido à dispersão da luz. Imaginemos agora que fazemos incidir um feixe luminoso monocromático num alvo, opaco, no qual existem dois orifícios com a mesma dimensão e da ordem do comprimento de onda da luz.

Se apenas um dos orifícios estiver aberto, já sabemos o que acontece: – Num segundo alvo, colocado a uma certa distância do primeiro, e paralelo a ele, aparece uma mancha luminosa cujas dimensões são maiores do que as do orifício. Contudo, se deixarmos os dois orifícios simultaneamente abertos, o que obtemos são riscas alternadamente claras e escuras. Em particular, no ponto que corresponde à posição média entre os dois orifícios, existe uma mancha luminosa e à sua direita e à sua esquerda temos duas zonas escuras. Este fenómeno chama-se interferência.

Experiência da dupla fenda em duas dimensões.
Experiência da dupla fenda em duas dimensões.

A verificação experimental da sua existência, feita em 1801 por Thomas Young, fez abandonar a antiga teoria corpuscular da luz de Newton em favor da teoria ondulatória. Com efeito, a interferência é fácil de explicar com ondas. A zona clara central está à mesma distância de ambos os orifícios e, portanto, as duas ondas aí interferem construtivamente, as cristas das duas ondas chegam ao mesmo tempo e reforçam-se. Mas, um pouco mais à direita ou à esquerda, uma das ondas tem que percorrer uma distância ligeiramente maior do que a outra e esta pequena diferença faz com que à crista da primeira onda se sobreponha agora a cava da segunda, logo as duas ondas anulam-se e fica escuro.

No fim do século XIX o Electromagnetismo tinha finalmente conseguido explicar que a luz era composta por ondas electromagnéticas, pelo que a Óptica ficou reduzida a um dos capítulos do electromagnetismo. Contudo, poucos meses antes de nascer o novo século, Planck volta a introduzir a ideia de corpúsculos de luz: – Os fotões.

O conceito de partícula ou corpúsculo elementar forma-se a partir da observação de corpos com uma dada dimensão. Foi assim que Demócrito na antiga Grécia apresentou a hipótese atomista e nas suas palavras «tudo o que existe são átomos e espaço vazio».

Sabemos hoje que os átomos estão longe de serem elementares, têm um núcleo central com um certo tamanho, uma certa massa e determinada carga eléctrica, positiva, e um número de electrões tal que o conjunto seja electricamente neutro. Assim, enquanto que o átomo mais simples de todos, o de hidrogénio, tem apenas um electrão, o de carbono tem seis, o de oxigénio oito e o de chumbo tem oitenta e dois electrões. Agora sabemos não só aquilo que distingue os átomos entre si, como também compreendemos como se constroem moléculas combinando vários átomos.

Experiência da dupla-fenda em três dimensões.
Experiência da dupla-fenda em três dimensões.

Quanto ao electrão, quando em 1897 J.J. Thomson descreveu as suas características, apresentou-o como uma partícula. Fazendo experiências sobre feixes de electrões, produzidos num dispositivo que pode ser considerado como o precursor dos modernos tubos dos aparelhos de televisão, determinou as suas energias, E, e os respectivos momentos lineares, \overrightarrow{p}. Em cada caso os valores obtidos obedeciam à relação:

E^2-(c\overrightarrow{p})^2=m^2c^4

em que a constante m é a massa do electrão.
Antes de Planck parecia que tudo estava mais em ordem. A corrente eléctrica era constituída por partículas, os electrões, todos com a mesma massa e com energias variáveis consoante fosse maior ou menor o seu momento linear, de acordo com a fórmula anterior. De notar ainda que o momento linear é uma grandeza que de certa maneira está relacionada com a energia, que todos sabemos estar associada ao movimento.

Em particular, se o objecto estiver em repouso, terá \overrightarrow{p}= 0 e, nesse caso, a equação anterior reduz-se à célebre fórmula E = mc².
Por outro lado, a luz era constituída por ondas. A cada cor corresponde uma certa frequência ω e um certo vector de onda \overrightarrow{k}. Tudo parecia em boa harmonia até que Planck relacionou esses dois mundos: à onda caracterizada por ω e \overrightarrow{k}correspondem fotões com energia E = ħω e momento linear \overrightarrow{p}=\hbar\overrightarrow{k}. Pode-se verificar assim que,

(\hbar\omega)^2-(\hbar\overrightarrow{k}c)^2=(\frac{h}{2\pi}\frac{2\pi}{T})^2-(\frac{h}{2\pi}\frac{2\pi}{\lambda}c)^2=0

onde a segunda igualdade a zero foi obtida recordando que c = λ / T. Desta
forma, ao calcular o primeiro membro da equação E^2-(c\overrightarrow{p})^2=m^2c^4, acaba-se de provar que a massa dos fotões é nula.

Corpo negro.
Corpo negro 
Mas então o tal forno a temperatura constante está cheio de ondas ou de partículas? A conclusão, que está de acordo com a experiência, é que não basta apenas um dos conceitos para explicar todas as propriedades da luz.

Do mesmo modo, outro Thomson, desta feita George, filho do físico que com tanta elegância demonstrou que os electrões eram partículas, provou que eles, tal como os fotões, também se difractam, ao repetir com electrões a experiência das duas fendas. Hoje todos sabemos que existem microscópios electrónicos, isto é, microscópios que usam feixes de electrões em vez de feixes luminosos. Em conclusão, fotões e electrões comportam-se quer como ondas quer como partículas.
 Fonte:
PRISMA 
À LUZ DA FÍSICA
 
http://cftc.cii.fc.ul.pt/PRISMA/capitulos/capitulo1/modulo1/topico2.php