
Pesquisadores  brasileiros identificam as estruturas coerentes que formam o  “esqueleto” dos fluxos turbulentos. Artigos foram publicados no Astrophysical Journal Letters (Foto: Chian/Rempel)
            Esqueleto da turbulência
          Por Fábio de Castro
  – Dois estudos liderados por pesquisadores brasileiros e publicados na revista Astrophysical Journal Letters identificaram as estruturas coerentes que formam o “esqueleto” da turbulência.
 Embora a turbulência seja um fenômeno que se caracteriza pela  movimentação caótica das partículas de um fluido, existem técnicas  capazes de identificar estruturas coerentes, permitindo a previsão  desses movimentos.
 Segundo os autores, estudos sobre a dispersão de cinzas vulcânicas,  ciclones, tornados, tsunamis, ciclos solares, formação de planetas e  estrelas, o Universo primordial e outras áreas tão diversas como o  transporte de sangue em sistema cardiovascular e a fusão termonuclear  controlada poderão se beneficiar das duas pesquisas.
 Os trabalhos foram liderados pelo físico espacial Abraham Chian, do  Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e pelo matemático  computacional Erico Rempel, do Instituto Tecnológico de Aeronáutica  (ITA), em São José dos Campos (SP), em cooperação com um colega da  Universidade de Estocolmo (Suécia) e um aluno de doutorado do Inpe.
 Um dos estudos foi concluído durante a visita de Chian ao Instituto  de Tecnologia da Califórnia, nos Estados Unidos, com apoio de uma bolsa  da Fundação Guggenheim. O estudo contou com a participação de Pablo  Muñoz, estudante de doutorado do Inpe, que recebeu prêmio de melhor  trabalho de alunos durante o 9º Congresso Latino-Americano de Geofísica  Espacial realizado na Costa Rica, em abril de 2011.
 Os cientistas estudaram o campo magnético relacionado às estruturas  coerentes da turbulência verificada no plasma solar. De acordo com  Chian, utilizando os dados fornecidos pelos instrumentos a bordo de  quatro sondas espaciais da 
missão Cluster ,  o grupo detectou em frente a uma nuvem magnética interplanetária duas  estruturas coerentes na forma denominada como 
“lâminas de corrente”.
 “A análise de dados de flutuações magnéticas na vizinhança dessas  estruturas coerentes demonstrou que o vento solar exibe o comportamento  de turbulência bem desenvolvida do tipo Kolmogorov, semelhante às  turbulências encontradas na borda de uma máquina de plasma de fusão  termonuclear, na atmosfera solar, no meio interestelar, em um túnel de  vento e na copa da floresta amazônica, para citar alguns exemplos”,  disse Chian à Agência FAPESP.
 A caracterização da dinâmica da borda dianteira de uma nuvem  magnética interplanetária é fundamental para o monitoramento e a  previsão de clima espacial, uma vez que existe a evidência de que a  tempestade magnética na Terra pode ser iniciada pela chegada de uma  nuvem magnética proveniente de uma erupção solar.
 “Os eventos extremos na natureza, tais como ciclones, tsunamis, a  precipitação excessiva de chuvas em regiões localizadas, manchas solares  e ejeções de massas coronais interplanetárias, estão relacionados às  estruturas coerentes que dominam a dinâmica da turbulência e podem  causar grandes impactos no clima terrestre, clima espacial e ambiente  solar-terrestre”, explicou.
 O segundo trabalho foi iniciado durante o estágio de pós-doutorado de Rempel na Universidade de Cambridge, com 
Bolsa da FAPESP,  e contou com a colaboração de Chian e de Axel Brandenburg, professor do  Instituto Nórdico de Astrofísica Teórica e da Universidade de Estocolmo  (Suécia).
De acordo com Chian, Brandenburg é um dos pioneiros do modelo de  dínamo cósmico. “Esse modelo de dínamo pode explicar a origem e a  evolução de ciclos solares, por exemplo, o aparecimento de períodos  prolongados de atividades calmas do Sol conhecidos como os Grandes  Mínimos”, disse.
 No estudo, o grupo investigou as estruturas coerentes lagrangianas da  turbulência astrofísica, com base na simulação numérica de um modelo  não-linear de dínamo.
 As estruturas coerentes lagrangianas são linhas ou superfícies  materiais que atuam como barreiras de transporte na turbulência.  Inspirado pela teoria de caos, esse conceito foi introduzido há quase  dez anos por George Haller, atualmente professor de engenharia mecânica  da Universidade de McGill, no Canadá.
 “Essa nova técnica não-linear permite uma visualização mais acurada  da dinâmica e estrutura complexa de fluidos, que não seria possível  usando as técnicas tradicionais baseadas em formalismo euleriano”, disse  Chian.
 Essas estruturas são determinadas por meio da computação do máximo  expoente de Lyapunov de tempo finito, que fornece o valor médio da taxa  máxima de divergência ou do alongamento entre as trajetórias das  partículas num certo intervalo de tempo.
 “Isso permite a identificação de trajetórias atrativas e repulsivas  em imagens obtidas das simulações numéricas ou imagens reais do campo de  velocidade de um fluido, revelando o esqueleto da turbulência que forma  as barreiras para o transporte das partículas. Os cruzamentos entre  essas barreiras são responsáveis pela mistura caótica de partículas”,  disse. 
Coerência no caos
 O estudo de estruturas coerentes lagrangianas, segundo os autores,  tem aplicações em diversas áreas, por exemplo, a previsão do movimento  dos poluentes na atmosfera e no mar, a migração dos fitoplânctons no  oceano, o fluxo aperiódico em furacões, a interação entre o fluido e a  estrutura no entorno das válvulas cardíacas e o plasma termonuclear em  máquinas de confinamento magnético.
 De acordo com Rempel, o grupo brasileiro foi o primeiro a introduzir  essa nova técnica para a astrofísica. Usando as imagens da turbulência  de plasma simuladas para modelar a geração do campo magnético nas  camadas convectivas do Sol e de outras estrelas, foi comprovado pelo  estudo que as estruturas coerentes lagrangianas são capazes de  distinguir nitidamente os detalhes da complexidade da distribuição  espacial de barreiras de transporte entre dois regimes diferentes do  dínamo.
 “Desde que o conceito foi desenvolvido por Haller, a técnica foi  aplicada para problemas de fluidos, tanto em simulações como em dados  observacionais voltados para dispersão de poluentes nos oceanos, por  exemplo, mas não tinham ainda sido utilizadas, no campo da astrofísica,  em fluidos com campo magnético”, disse Rempel.
 Essas estruturas coerentes marcam certas direções preferenciais das  partículas de fluidos em movimento. Quando um poluente é arrastado pelos  vórtices e correntes do oceano a identificação das estruturas coerentes  permite detectar linhas de atração que possibilitam prever para onde o  fluido irá se movimentar. O mesmo fenômeno pode acontecer, por exemplo,  com as cinzas expelidas na atmosfera por um vulcão.
 
 Segundo ele, na camada convectiva do Sol, uma região intensamente  turbulenta, as partículas se movimentam como se estivessem aprisionadas  em vórtices. As estuturas coerentes lagrangianas marcam as fronteiras  desses vórtices, delimitando as regiões do fluido entre as quais as  partículas não se misturam.
 
“Quando fazemos o estudo das estruturas coerentes, vemos que algumas  partículas podem se cruzar, passando para outras regiões do fluido. No  caso da estrela, observamos que, quando o campo magnético ficava mais  forte, existiam menos cruzamentos – isto é, a turbulência diminuía”,  disse.
 Esses resultados, segundo Rempel, foram obtidos a partir de uma  simulação ainda bastante simplificada.
 “A partir desse modelo acadêmico,
  vamos agora procurar estender essa aplicação 
a modelos mais realistas 
da camada convectiva do Sol”, 
Agência FAPESP –
 http://agencia.fapesp.br/14116 - 04-07-2011
 Sejam felizes todos os seres  Vivam em paz todos os seres
Sejam abençoados todos os seres.