Há anos, pesquisadores trabalhando no Grande Colisor de Hádrons (LHC,
na sigla em inglês), o maior acelerador de partículas que existe,
procuram o bóson, partícula que foi proposta pela primeira vez por Peter
Higgs em 1964, 48 anos atrás.
Agora,
duas equipes separadas do LHC – ATLAS e CMS –
chegaram a resultados parecidos que estão em conformidade com as
previsões teóricas sobre as partículas subatômicas do Modelo Padrão da
Física, com a inclusão do bóson de Higgs. Isso indica que a partícula de
fato existe.
O bóson teria massa de 125.3 GeV, e os resultados têm o nível de
certeza de 4,9 sigma (o ideal é 5 sigma, nível necessário para
reivindicar uma descoberta, pois significa que há menos de uma chance em
um milhão dos dados serem um acaso estatístico).
“Foi anunciada a descoberta de um bóson que pode ser o bóson previsto
por Higgs há quase 50 anos. A beleza da descoberta vem não apenas da
notável previsão teórica, baseada em alguns conceitos bastante simples
de simetria, mas do avanço tecnológico que foi preciso fazer para
comprovar a sua existência”, comenta a Prof. Dr. Carola Dobrigkeit
Chinellato, do Grupo de Física Teórica (GFT), da Universidade Estadual
de Campinas (UNICAMP).
Tal êxito só foi possível com um enorme esforço e trabalho conjunto
de milhares de pesquisadores, físicos, engenheiros e técnicos. “Acho que
é mesmo um momento histórico”, diz.
Apesar de muita gente achar que o bóson de Higgs é um caso certo,
ainda é preciso ter cautela. Os cientistas estão tratando a descoberta
como “muito provável”, e pediram tempo para analisar as informações.
“Esta cautela é inteiramente justificável. Embora seja relativamente
robusto, níveis de certeza maiores do que 4,9 já vieram a ser
modificados pelos próprios dados experimentais. É preciso cuidado”,
explica o Prof. Dr. Marcelo M. Guzzo, do Instituto de Física Gleb
Wataghin, também da UNICAMP.
A “descoberta” e o Modelo Padrão da Física
O bóson de Higgs é a partícula pela qual supostamente tudo no universo obtém sua massa, inclusive nós, seres humanos.
Sendo assim, a partícula era vista como crucial para que os físicos
pudessem dar sentido ao universo. Só que ela nunca tinha sido observada
por experimentos.
Por conta de sua importância nos blocos de construção básicos do
universo, o bóson recebeu o apelido de “partícula de Deus”, apelido que
Guzzo não simpatiza. “Não gosto do nome ‘Partícula de Deus’, apenas se
for pensado como uma espécie de brincadeira. Supondo que tenhamos, de
fato, descoberto o Higgs, temos em mãos um quebra-cabeça muito mais
completo rumo a uma compreensão das partículas elementares e suas
propriedades. Isto é muito bom. Mas outras peças que são igualmente
importantes neste quebra-cabeça nunca foram chamadas de ‘Partículas de
Deus’”, argumenta.
O quebra-cabeça maior seria, por assim dizer, o Modelo Padrão da
Física, uma espécie de “livro de instruções” que descreve como as
partículas e as forças interagem no universo. Sem a existência do bóson
de Higgs, ou seja, de uma partícula que desse massa a todas as outras,
todo esse modelo poderia ir por água abaixo.
Sendo assim, uma das grandes consequências da descoberta é o
fortalecimento desta teoria em detrimento de teorias alternativas.
“Podemos afirmar que nada muda no Modelo Padrão das Partículas
Elementares. Pelo contrário. O bóson de Higgs fazia parte do Modelo
Padrão que sai muito fortalecido por esta descoberta”, diz Guzzo.
Agora, qualquer outro modelo alternativo ao Modelo Padrão terá que
incorporar o Higgs, que passa a ter status de “evidenciado
experimentalmente”.
E o bóson de Higgs
também ajuda a explicar outras teorias, como a simetria de gauge.
“Agora entendemos como a simetria de gauge, um dos pilares da
construção do Modelo Padrão e que gera previsões estranhas como, por
exemplo, que os bósons intermediários responsáveis pela interação fraca
não têm massa, pode incorporar as massas destas partículas que foram
encontradas experimentalmente já no início da década de 1970. Isto se dá
através do Mecanismo de Higgs”, explica o professor.
O badalado bóson de Higgs, então, foi encontrado (provavelmente). Mas o grande vencedor parece ser o Modelo Padrão da Física.
“O conjunto começa a ficar muito interessante. Bonito mesmo! A ponto
que eu gostaria de ver o Modelo Padrão ensinado nas escolas, como um
conhecimento popular. É a consagração do Modelo Atomista que há milênios
ronda o conhecimento humano”, opina Guzzo.
“Já há muitos anos nós aprendemos sobre a previsão da existência do
bóson de Higgs, e ensinamos sobre ele para os nossos alunos. O anúncio
dos resultados dos experimentos ATLAS e CMS é motivo de alegria para os
físicos, e ainda mais para os físicos que trabalham na área de
partículas elementares. Sentimos uma satisfação parecida com a de alguém
que está montando um quebra-cabeça enorme e consegue achar a pecinha
que estava faltando para completar o quadro”, comemora a professora
Carola.
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