Doc : Outro Planeta Terra - O universo
Será que podemos encontrar um planeta semelhante ao nosso ?
A Origem do Planeta Terra - 94min.Astrobiologia: um olhar sobre o Universo, a Terra e a Vida
Do "Big-Bang" ao futuro da vida. Crédito: NASA/NAI.
Todas as épocas e civilizações tiveram a sua cosmologia, a narrativa de como começou o universo e para onde ele vai. Que lugar ocupamos nós no cosmos e, questão crucial, estaremos sozinhos na vastidão dos espaços estelares e galácticos ?
A astrobiologia é o estudo científico das possibilidades de vida no universo, seu passado, presente e futuro. Começa com a investigação da vida na Terra, o único local até ao momento onde sabermos que ela existe, e estende-se aos outros planetas e corpos do sistema solar, espaço interplanetário, outros sistemas planetários, sistemas galácticos e universo em geral. Os seus limites espaciais envolvem tudo o que é observável e temporalmente podemos dizer que os seus horizontes se prolongam aos primórdios do universo, logo após o "big bang", quando as primeiras nucleossínteses de elementos se deram.
Epicuro: "Há outros locais possiveis de vida". |
Quando o homem se meteu pela primeira vez a observar as estrelas, provavelmente na fase paleolítica final do seu desenvolvimento, era natural que visse no universo uma porção de terra chata, rodeada pelo mar e coberta por um céu em cúpula transparente, onde se achavam o Sol, a Lua e as estrelas. Que o Sol e a Lua são dotados de movimento vêem-no até os olhos mais distraídos, mas só bastante mais tarde o homem notaria que certas "estrelas" - os planetas do sistema solar - se moviam também nos céus, de fundo ao encontro das estrelas fixas.
Os primeiros astrónomos de que temos conhecimento certo foram os da Mesopotâmia, da Índia e da China sendo eles quem começaram a registar, sistematicamente, os fenómenos celestes, embora as estreitas ligações entre os movimentos do Sol e da Lua e as datas indicadas para as sementeiras e colheitas devam ter constituído o interesse primordial para os primeiros agricultores do começo do período Neolítico (c. de 10 000 anos a.C.). Foram porém os gregos, a civilização que esteve na base da nossa, que tentaram explicar os fenómenos astronómicos em termos físicos. Muitos anteciparam-se para a sua época. Sabemos, por exemplo, que Aristarco de Samos (c. 320 -250 a.C.) antecipou em mais de 1700 anos o sistema heliocêntrico de Copérnico, dizendo que a Terra era apenas um planeta que, tal como os outros, girava em volta do Sol e que as estrelas estavam a distâncias enormes. Um seu contemporâneo, da mesma cidade, Epicuro, escreveu que "talvez possam existir outros locais possíveis de vida, para além da Terra", devendo ser considerado justamente o precursor da moderna astrobiologia.
A astrobiologia é com efeito o estudo científico das possibilidades de vida no universo, seu passado, presente e futuro. Começa com a investigação da vida na Terra, o único local até ao momento onde sabermos que ela existe, e estende-se aos outros planetas e corpos do sistema solar, espaço interplanetário, outros sistemas planetários, sistemas galácticos e universo em geral. Os seus limites espaciais envolvem tudo o que é observável e temporalmente podemos dizer que os seus horizontes se prolongam aos primórdios do universo, logo após o "big bang", quando as primeiras nucleossínteses de elementos se deram.
"Tantos sóis iguais ao nosso", frase atribuída a Giordano Bruno. Imagem do enxame aberto M7. Crédito: AURA/NOAO/NSF. |
Enquanto aquelas questões foram colocadas desde os primórdios da civilização, só os recentes avanços da exploração espacial, associados a técnicas analíticas que poucos imaginavam possíveis, permitiram o estabelecimento deste assunto, que a princípio parecia domínio da ficção ou especulação científica, num território de solidez científica, passível de observação e experimentação. Os seus métodos ultrapassam um pouco os das ciências clássicas, podendo afirmar-se que esta ciência permite uma abordagem multidisciplinar em que o seu todo é maior que a soma das partes. Daí que a astrobiologia absorva um espectro de informações da química, geologia, astronomia, ciências planetárias, paleontologia, física, biologia, matemática… emergindo com uma perspectiva singular sobre o nosso conhecimento e lugar no universo.
Carl Sagan: o precursor dos modernos estudos da Astrobiologia. Crédito: Bill Ray/Random House. |
Sagan foi com efeito o cientista que mais esteve envolvido no acarinhar da pesquisa de vida para além da Terra, levando a que muitas missões planetárias da NASA encaixassem programas que visassem o estudo das condições de provável existência de vida, nomeadamente em Marte. Alargou ainda o âmbito destas pesquisas ao contacto e procura de sinais de eventuais civilizações extraterrestres inteligentes, um programa que hoje continua com a designação de Search for Extraterrestrial Intelligence (SETI). Carl Sagan num manual que escreveu sobre o assunto ("Intelligent Life in the Universe"), em colaboração com o astrofísico soviético Iosif Shklovskii, já nos idos anos 60, considerava-se um "optimista cauteloso" sobre a questão da vida inteligente no universo. Passados 40 anos sobre esse primeiro trabalho profundo, a astrobiologia está aí, despojada de optimismos ou de reacções emotivas. A procura de vida para além da Terra começou ontem e já muito aprendemos sobre as condições em que ela se pode formar, evoluir e adaptar. Também a procura de outros sistemas planetários é uma aventura que não tem paralelo na história da ciência e que poucos descortinam onde nos poderá levar.
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Epicuro: "Há outros locais possiveis de vida".
Todas as épocas e civilizações tiveram a sua cosmologia, a narrativa de como começou o universo e para onde ele vai. Que lugar ocupamos nós no cosmos e, questão crucial, estaremos sozinhos na vastidão dos espaços estelares e galácticos ?
Quando o homem se meteu pela primeira vez a observar as estrelas, provavelmente na fase paleolítica final do seu desenvolvimento, era natural que visse no universo uma porção de terra chata, rodeada pelo mar e coberta por um céu em cúpula transparente, onde se achavam o Sol, a Lua e as estrelas. Que o Sol e a Lua são dotados de movimento vêem-no até os olhos mais distraídos, mas só bastante mais tarde o homem notaria que certas "estrelas" - os planetas do sistema solar - se moviam também nos céus, de fundo ao encontro das estrelas fixas.
Os primeiros astrónomos de que temos conhecimento certo foram os da Mesopotâmia, da Índia e da China sendo eles quem começaram a registar, sistematicamente, os fenómenos celestes, embora as estreitas ligações entre os movimentos do Sol e da Lua e as datas indicadas para as sementeiras e colheitas devam ter constituído o interesse primordial para os primeiros agricultores do começo do período Neolítico (c. de 10 000 anos a.C.). Foram porém os gregos, a civilização que esteve na base da nossa, que tentaram explicar os fenómenos astronómicos em termos físicos. Muitos anteciparam-se para a sua época. Sabemos, por exemplo, que Aristarco de Samos (c. 320 -250 a.C.) antecipou em mais de 1700 anos o sistema heliocêntrico de Copérnico, dizendo que a Terra era apenas um planeta que, tal como os outros, girava em volta do Sol e que as estrelas estavam a distâncias enormes. Um seu contemporâneo, da mesma cidade, Epicuro, escreveu que "talvez possam existir outros locais possíveis de vida, para além da Terra", devendo ser considerado justamente o precursor da moderna astrobiologia.
A astrobiologia é com efeito o estudo científico das possibilidades de vida no universo, seu passado, presente e futuro. Começa com a investigação da vida na Terra, o único local até ao momento onde sabermos que ela existe, e estende-se aos outros planetas e corpos do sistema solar, espaço interplanetário, outros sistemas planetários, sistemas galácticos e universo em geral. Os seus limites espaciais envolvem tudo o que é observável e temporalmente podemos dizer que os seus horizontes se prolongam aos primórdios do universo, logo após o "big bang", quando as primeiras nucleossínteses de elementos se deram.
"Tantos sóis iguais ao nosso", frase atribuída a Giordano Bruno. Imagem do enxame aberto M7. Crédito: AURA/NOAO/NSF.
Com efeito a astrobiologia abarca uma diversidade de tópicos e disciplinas que se podem categorizar de acordo com as seguintes três questões fundamentais: Como se originou a vida ? Qual a sua evolução futura ? Estamos sós no Universo ? É por isso correcto afirmar que esta ciência corresponde a um olhar holístico sobre a vida, a Terra e o universo.
Enquanto aquelas questões foram colocadas desde os primórdios da civilização, só os recentes avanços da exploração espacial, associados a técnicas analíticas que poucos imaginavam possíveis, permitiram o estabelecimento deste assunto, que a princípio parecia domínio da ficção ou especulação científica, num território de solidez científica, passível de observação e experimentação. Os seus métodos ultrapassam um pouco os das ciências clássicas, podendo afirmar-se que esta ciência permite uma abordagem multidisciplinar em que o seu todo é maior que a soma das partes. Daí que a astrobiologia absorva um espectro de informações da química, geologia, astronomia, ciências planetárias, paleontologia, física, biologia, matemática… emergindo com uma perspectiva singular sobre o nosso conhecimento e lugar no universo.
Carl Sagan:
o precursor dos modernos estudos da Astrobiologia.
Crédito: Bill Ray/Random House.
Etimologicamente podemos afirmar que em si a astrobiologia em nada se separa da bioastronomia, que conta com uma Comissão própria na União Internacional de Astronomia (a Comissão 51), ou da exobiologia, uma designação atribuída ao biólogo Joshua Lederberg, no ano de 1960, e muito utilizada pelo astrónomo e divulgador científico Carl Sagan (1934-1996).
Sagan foi com efeito o cientista que mais esteve envolvido no acarinhar da pesquisa de vida para além da Terra, levando a que muitas missões planetárias da NASA encaixassem programas que visassem o estudo das condições de provável existência de vida, nomeadamente em Marte. Alargou ainda o âmbito destas pesquisas ao contacto e procura de sinais de eventuais civilizações extraterrestres inteligentes, um programa que hoje continua com a designação de Search for Extraterrestrial Intelligence (SETI).
Carl Sagan num manual que escreveu sobre o assunto ("Intelligent Life in the Universe"), em colaboração com o astrofísico soviético Iosif Shklovskii, já nos idos anos 60, considerava-se um "optimista cauteloso" sobre a questão da vida inteligente no universo. Passados 40 anos sobre esse primeiro trabalho profundo, a astrobiologia está aí, despojada de optimismos ou de reacções emotivas. A procura de vida para além da Terra começou ontem e já muito aprendemos sobre as condições em que ela se pode formar, evoluir e adaptar. Também a procura de outros sistemas planetários é uma aventura que não tem paralelo na história da ciência e que poucos descortinam onde nos poderá levar.
A origem da vida: uma perspectiva cosmo-química-geológica
Charles Darwin (1809-1882) Crédito: National Portrait Gallery
O aparecimento da vida sobre a Terra continua a ser um dos maiores mistérios da ciência. Os primeiros naturalistas admitiam que a vida se criasse, espontaneamente, em matérias orgânicas, como palha, estrume, farinha, camisas suadas, etc. Era a ideia da geração espontânea que foi completamente eliminada por Louis Pasteur (1822-1895). Os seus trabalhos cuidadosos provaram, de uma vez para sempre, que não havia geração espontânea e que todos os seres vivos eram apenas gerados por outros da sua própria espécie. Isto deixava em aberto o problema da origem da primeira vida, e se esta poderia ter ocorrido noutros planetas, além do nosso.
Definir o que se entende por vida não é uma tarefa fácil e que pode ter diferentes e complexas abordagens. Geralmente os estudiosos estão de acordo que os seres vivos se caracterizam por quatro propriedades únicas: crescem, alimentam-se, reagem ao ambiente e reproduzem-se.
As bactérias são os mais simples dos seres vivos capazes de se multiplicar independentemente. Não incluímos aqui os vírus, que apenas se podem reproduzir no interior da célula de um hospedeiro adequado, cujo mecanismo desviam para os seus próprios fins, afastando-o das suas funções normais.
O problema da origem de sistemas naturais replicativos deve ser observado à luz da teoria da evolução de Charles Darwin (1809-1892). De acordo com este cientista todos os seres vivos descendem de uma forma primordial de vida, e os nossos conhecimentos actuais de bioquímica e genética confirmam essa convicção de uma forma triunfal. O problema da origem da vida deve ser empurrado para um tempo longínquo bem próximo da idade de origem do nosso planeta, há 4,5 mil milhões de anos.
Núcleo do cometa Halley fotografado pela sonda Giotto. Os cometas, como muitos asteróides primitivos, são ricos em matéria orgânica formada abióticamente. Crédito: ESA
Embora os primeiros vestígios fósseis, estruturas unicelulares semelhantes às actuais algas azuis-esverdeadas, datem de 3,5 mil milhões de anos, evidências isotópicas do carbono encontrado em algumas rochas com 3,8 mil milhões de ano apontam para que a vida já existisse por essa altura, empurrando a sua origem para o conturbado período de violência de impactos (cometas e asteróides) sobre a Terra, conhecido entre os geólogos como o Eon Hadeano.
Em 1905 o químico sueco Svante Arrhenius (1859-1927) sugeriu que a vida tivesse chegado à Terra sob a forma de germes, que haviam viajado dos abismos do espaço, sob a impulsão contínua exercida pelos raios de luz em partículas tão diminutas, uma ideia que ficou conhecida por panspermia e que ainda hoje tem os seus seguidores na dupla do falecido cosmólogo Fred Hoyle (1915-2001) e do astrofísico Chandra Wicramasinghe. Estes partidários do neo-panspermismo escreveram vários livros de popularização em que defendem que os cometas seriam os reservatórios de germens de vida que "semeariam" os planetas com vida. Foram ainda mais longe, dizendo que muitas das pestes e epidemias da história da humidade foram provocadas por vírus trazidos por cometas, uma ideia, no mínimo, engraçada mas que nunca encontrou qualquer aceitação entre a comunidade científica. Embora se saiba que os cometas possuem muita matéria orgânica, e alguns meteoritos primitivos, os conhecidos condritos carbonáceos, possam ter até 10% de matéria orgânica (alguma bem complexa com aminoácidos e as bases dos ácidos nucleicos), não há até hoje nenhuma evidência de que matéria viva exista nesses corpos. A matéria orgânica neles existente é formada em condições abióticas por reacções químicas na nébula solar perfeitamente compreendidas.
Em 1924 o bioquímico russo Alexandre Oparin (1894-1980) publicou uma brochura preliminar afirmando que "não existe diferença fundamental entre um organismo vivo e matéria inanimada. A complexa combinação de manifestações e propriedades e propriedades tão características da vida deve ter surgido do processo de evolução da matéria". Quatro anos depois, e independentemente de Oparin, o biólogo inglês J. Haldane (1892-1964) publicou um artigo sobre as possíveis condições iniciais que teriam permitido o aparecimento da vida na Terra. Considerava os raios ultravioletas provenientes do Sol extraordinariamente importantes. Quando essa força de energia actuou na atmosfera primitiva da Terra, formou-se uma imensa quantidade de compostos orgânicos. Segundo Haldane, muitos acumularam-se nos primitivos oceanos e foi, certamente neste caldo inicial que terá começado a vida. As sínteses químicas complexas foram facilitadas pela presença de alguns minerais, como as argilas e a pirite, que teriam actuado como substâncias catalisadoras, formando a agregação de moléculas cada vez mais complexas que acabaram por adquirir propriedades replicativas.
Em meados do século passado, algumas das sugestões iniciais de Oparin e Haldane começaram a ter uma abordagem laboratorial. Em 1953, o jovem Stanley Miller, na altura estudante de doutoramento na Universidade de Chicago, sob orientação do famoso químico Harold Urey (1893-1981) realizou uma experiência em que obteve uma variedade de compostos orgânicos simples a partir de uma mistura inorgânica semelhante ao que se supunha ser a atmosfera primitiva da Terra, semelhante à que se observa nos planetas gasosos. Miller fez atravessar uma mistura de metano, amoníaco e hidrogénio por uma descarga eléctrica num balão com água e, para fazer acumular os compostos não voláteis, destilava constantemente a água através de um circuito fechado. Ao fim de uma semana a água mostrava-se de um vermelho carregado e continha, além de ácidos simples como acético e fórmico, pelo menos dois aminoácidos. Além disso havia indícios da presença de ácido cianídrico, que se sabe ser um composto activo, capaz de dar origem a derivados muito mais complexos. Desde essa data essa experiência foi repetida e melhorada por numerosos investigadores e quase toda a "química da vida" foi produzida em laboratório.
Na verdade, sabe-se hoje que a atmosfera e a dinâmica da Terra inicial eram um pouco diferentes das que Miller reproduziu. Mais dióxido de carbono devia fazer parte da atmosfera e a violência dos impactos de corpos extraterrestres, alguns com dimensões de dezenas de quilómetros, poderiam ter contribuído com mais matéria orgânica sobre a Terra, ajudando ainda como processo energético que facilitava as sínteses de moléculas mais complexas. Porém, era de esperar que episódios desta violência e tão frequentes destruíssem os primeiros organismos replicadores, aqueles que estiveram na base de verdadeiras moléculas vivas, como o ARN e o ADN e, depois, dos primeiros seres vivos.
Fonte hidrotermal do Pacífico Este estudada pelo submersível Alvin. Na dependência destas fontes existem estranhos ecossistemas que em nada dependem da luz solar.Crédito: Woods Hole Oceanographic Institution
Desde finais dos anos 70, geólogos e biólogos marinhos têm descoberto inesperadas comunidades de seres vivos a profundidades oceânicas com mais de 3000 metros. O estudo destas exóticas comunidades vivas, na dependência de arqueobactérias que realizam uma quimiossíntese, na ausência total da luz solar, e associadas a fontes quentes vulcânicas, levam a crer que os primeiros organismos replicativos, as primeiras sínteses biológicas, podem ter tido origem nestes ambientes que certamente abundavam na Terra primitiva. É também possível, como o demonstram muitas experiências laboratoriais, que alguns minerais, como a pirite, bastante abundante naqueles ambientes, tenham servido como catalisadores químicos dessas primeiras sínteses biológicas.
Assim uma nova visão da origem da vida merece incluir as diferentes fontes representadas na Fig. 4, considerando os oceanos como o ambiente mais propício às sínteses, bem junto das fontes hidrotermais na dependência do calor vulcânico de algumas fracturas tectónicas. A contribuição cósmica também não pode ser esquecida, pois muita da matéria orgânica da Terra inicial teria sido transportada pelos cometas e pelos condritos carbonáceos. Daí que a origem da vida tenha de ser considerada na tripla perspectiva cósmica, química e geológica, em que astrónomos e geólogos têm cada vez um papel mais importante da resolução deste enigma.
Resumo das fontes de energia e local provável onde as sínteses bióticas ocorreram na Terra primitiva. Crédito: autor
Os primeiros seres fossilizados que se conhecem são os estromatólitos - estruturas calcárias resultantes da actividade de cianobactérias - com 3,46 mil milhões de anos. Esses procariatas - células simples em que o sistema genético ainda não estava incluído num núcleo - vão ao longo da maior parte da história da Terra ser os únicos habitantes, de que são conhecidas diferentes espécies. Aliás, ainda hoje são os mais abundantes. Descobertas dos últimos tempos mostram que muitas bactérias, nas vertentes dos dois grandes domínios da vida - Bacteria e Arqueo - estão adaptadas aos mais variados limites de pressão e temperatura, salinidade, radiação muito energética, ausência de Sol, e ambientes onde outrora não se imaginava a vida possível. A descoberta destes extremófilos, como são designados, é uma das maiores promessas para a astrobiologia. Noutros locais do universo, em planetas e em exóticos lugares os extremófilos estarão possivelmente bem representados. É o que tentaremos ver no próximo capítulo, onde visitaremos locais do sistema solar onde a vida possa ter existido ou exista mesmo na actualidade.
Tanto quanto sabemos, a Terra é um planeta ímpar, não apenas no sistema solar, mas muito certamente na Galáxia e no universo. Condições muito especiais - a distância adequada ao Sol e uma diferenciação geológica peculiar - permitiram que o nosso Mundo adquirisse os requisitos necessários à origem e desenvolvimento de vida, entre as quais podemos destacar, entre muitas outros, a presença de água no estado líquido e uma estabilidade climática que, com ligeiras flutuações, tem sido factor determinante para a permanência e aparecimento de formas diversificadas de vida, como o documenta o registo fóssil. De simples células sem núcleo, a história da Terra documenta-nos o aparecimento de formas de vida mais complexas nos oceanos, o aparecimento de seres multicelulares e uma evolução, com interrupções, recuos e avanços, que levou a formas mais sofisticadas como os invertebrados, as plantas, os peixes, os anfíbios, os répteis, as aves e os mamíferos, no topo do qual colocamos a nossa espécie, uma espécie recente que se interroga sobre o significado da sua presença, sobre o seu futuro e, explora e modifica o meio em que surgiu.
Titã é um caso paradigmático no sistema solar. Um dos maiores satélites de Saturno, Titã é a única lua do sistema solar a possuir um densa atmosfera, um facto confirmado já em 1944 por Gerard Kuiper (1905-1973). Muita informação sobre esta lua foi obtida pelas sondas Voyager que em 1980 e 1982 passaram pelas proximidades deste mundo, revelando alguns dos seus segredos. A sua densa atmosfera é essencialmente composta por azoto, algum metano e hidrogénio que retêm algum do calor do Sol dando origem a um pequeno "efeito de estufa". Estes gases reagem numa química orgânica à qual a estabilidade climática de Titã está ligada. Experiências laboratoriais mostram que o metano é atingido fotoquimicamente produzindo etano, acetileno, etileno e, quando combinado com o hidrogénio, ácido cianídrico, uma molécula importante na elaboração de aminoácidos. A atmosfera do satélite é assim vista como uma espécie de Terra primitiva onde as primeiras síntese pré-bióticas tiveram lugar. Observações recentes no infravermelho, efectuadas pelo Telescópio Espacial Hubble e pelos telescópios Keck mostram regiões escuras na superfície do satélite, com dimensões de 250 Km, estruturas que poderão corresponder a oceanos e lagos líquidos de etano que devem cobrir parte do satélite. Pensa-se também que lua é sujeita a chuvas de metano líquido, um cenário que poderá às sínteses bióticas. De acordo com alguns investigadores, as zonas mais claras de Titã, evidenciadas pelo Hubble e Keck podem corresponder a planaltos de gelo de água, envolvidos pelas manchas escuras que corresponderiam a superfícies sólidas e líquidas de moléculas orgânicas. É todo este fabuloso mundo que a sonda Huygens, a bordo da missão Cassini, irá tentar estudar a partir de Novembro de 2004, quando atravessar a atmosfera de Titã e pousar na sua superfície. Esperam-se importantes revelações para compreender toda a química que antecede a origem da vida.
Europa, um dos mais pequenos satélites dos quatro grandes que orbitam Júpiter, tornou-se subitamente um dos mais promissores mundos para a astrobiologia, quando em 1979, o encontro com a sonda Voyager 2 confirmou aquilo que há muito se especulava: o satélite possuía um oceano de água interior, como consequência do efeito de maré provocado pelo gigante Júpiter. Não apenas a presença de água líquida mas a possibilidade da existência de fontes hidrotermais interiores, resultantes da energia que aí se acumula, são factores que permitem o desenvolvimento de comunidades vivas independentes da luz solar, algo semelhante ao que se passa nas chaminés vulcânicas dos fundos oceânicos onde arqueobactérias realizam quimiossínteses que estão na base de gigantescos e atípicos ecossitemas.
Um caso mediático e que não gostaríamos de deixar de opinar é relativo à proclamada descoberta de fósseis marcianos no meteorito ALH 84001. Embora não restem dúvidas da proveniência do meteorito de Marte, como consequência de um violento impacto sobre a superfície, o mesmo não se pode dizer das alegadas estruturas biológicas fossilizadas presentes no mesmo. Outras sugestões parecem explicar muitas das observações.
Marte, Europa, Titã e algo mais…
Marte com uma vista preferencial do Valles Marineris e os três vulcões de Tharsis. Crédito: USGS/NASA |
Tradicionalmente, e de acordo com aquilo que são os nossos conhecimentos sobre as formas e limites que se impõe à vida, esta exige um planeta que, além de suficientemente pesado, para reter uma atmosfera, tenha a órbita a uma distância do Sol que lhe garanta temperaturas razoáveis, aquilo que se designa por "ecosfera planetária", uma zona do sistema solar que se estende um pouco para além da órbita de Vénus, abrange obviamente a Terra e engloba a órbita de Marte. No nosso sistema solar, Mercúrio está demasiado próximo do Sol e é muito quente para nele existirem a matéria e as condições indispensáveis aos organismos vivos. Plutão é excessivamente frio, e as reacções que levam à formação de compostos orgânicos não devem produzir-se a temperaturas muito baixas. Um planeta precisa de ter ainda o tamanho conveniente para aguentar uma atmosfera. A força gravítica é indispensável para evitar a fuga dos gases mais leves, necessários à realização dos processos biológicos e à retenção da água essencial à vida. A Lua, por exemplo, é demasiado pequena para reter uma atmosfera. Por outro lado, um planeta como Marte, ou Vénus, é suficientemente grande, embora este último, pelo "efeito de estufa" que apresenta, impossibilite a existência de algo vivo sobre a sua superfície. Todas estas restrições - distância ao Sol, dimensão do corpo planetário e composição química - reduziram o número de possíveis locais com vida, além da Terra.
No nosso sistema solar, Marte surge-nos como um planeta promissor. Sem nos alongarmos com todo o historial da descrição de canais e de antigas civilizações em Marte que remontam ao astrónomo Percival Lowell (1855-1916) e ao fascínio que a ficção e a humanidade sempre depositaram no Planeta Vermelho, reportemo-nos sumariamente aos resultados das diferentes missões a Marte e às observações que claramente sugerem que o planeta teve já condições diferentes das actuais e que poderão ter permitido a origem e o desenvolvimento de formas primitivas de vida. Com efeito, a superfície do planeta mostra-nos que Marte possuiu, numa fase inicial, um complexo sistema hidrológico, com possíveis grandes oceanos espalhados sobre a superfície. É também provável que a sua atmosfera tenha sido diferente e a temperatura muito certamente favorável às sínteses pré-bióticas.
Apesar de negativos, os resultados das três experiências biológicas do programa Viking, que em 1976 levou ao pouso de duas sondas na superfície marciana, fica sempre a dúvida se não se procurou no local errado. A análise química do solo, dos dois locais onde as Viking pousaram, também não mostrou sinais de compostos orgânicos, algo que se pode explicar pela ausência de uma camada de ozono, o que leva, na actualidade, a uma incidência de elevada radiação ultravioleta sobre a superfície, criando uma química destrutiva para eventuais compostos orgânicos.
Marte possui água no estado sólido. Os estudiosos pensam que ela se poderá encontrar um pouco abaixo da superfície, em regime de "permafrost". Os resultados das últimas sondas, em particular da Mars Global Surveyor e da Mars Odyssey, são bastante animadores e permitem condicionar a futura exploração de Marte por missões que arrancam já proximamente, como a sonda europeia Mars Express com o Beagle 2 um sofisticado "kit" laboratorial que, se tudo correr bem, pousará no Natal deste ano em Marte e iniciará um complexo estudo da procura de assinaturas de uma vida passada ou actual sobre o planeta. Outras missões se seguirão.
O quarto planeta do sistema solar, mostra-se, depois da Terra, como o local mais promissor a encontrar traços de vida, apresentando-se ainda como o mais adequado a uma exploração e ocupação humana no futuro.
Uma grande incógnita que paira sobre Marte é porque razão as suas condições são hoje bem diferentes das de um passado longínquo. Para muitos astrónomos, a ausência de um verdadeira lua, é talvez o factor responsável. Sabemos que na Terra, a Lua é importante na estabilização dinâmica do eixo de rotação terrestre, permitindo que a sua inclinação não flutue acentuadamente e, consequentemente, que o clima apresente uma certa estabilidade. Marte possui dois pequenos calhaus - Fobos e Deimos - dois velhos asteróides certamente capturados à cintura daqueles corpos. Não apresentam nenhum efeito sobre a estabilidade do eixo do planeta e por isso o clima em Marte é caótico variando entre períodos em que a água nos três estados é possível e outros em que o planeta mais parece um deserto ventoso. Tudo isso não obsta a que em formações sedimentares, perto dos pólos ou em antigos pequenos lagos alguns extremófilos possam ter sobrevivido ou tenham deixado o seu registo fóssil.
Visão artística da descida da sonda Huygens na atmosfera de Titã. Crédito: NASA/ESA |
Superfície de Europa com a intrincada rede de fracturas e dinâmica crustal , processo ligados à actividade do oceano interior do satélite. Crédito: NASA/JPL |
Quem sabe se o mesmo não se passará em Europa e noutros satélites de Júpiter (Calisto é também um caso apontado) ? O estudo efectuado pela sonda Galileo veio fornecer muitos mais dados sobre estes fascinantes satélites e colocar a questão da necessidade de uma exploração dos oceanos interiores de Europa. Embora ainda nada esteja decidido, algumas missões começam já a ser desenhadas e a construção de "criorobôs", submersíveis automáticos que furem a camada de gelo e penetrem nos oceanos interiores de Europa está já nos planos de alguns programas astrobiológicos da NASA. O aproveitamento de algumas fracturas visíveis na superfície de Europa que darão acesso mais facilitado a esse oceano de incógnitas será uma via a explorar, embora difíceis problemas tecnológicos se coloquem a um futura exploração de Europa.
A química orgânica do sistema solar não se limita aos mundos que acabamos de falar. Dissemos já no capítulo anterior que os núcleos cometários e alguns meteoritos primitivos, como os condritos carbonáceos, são repositórios de matéria orgânica que teve origem na própria nébula. Para além de certamente terem contribuído com esse material para as superfícies planetárias, o estudo destes dois tipos de corpos ainda tem muito para nos ajudar a compreender os passos intermédios entre a matéria inorgânica e a vida.
Hipotéticas formas fossilizadas no meteorito ALH 84001. Crédito: NASA |
O estudo geológico do ALH 84001 revela a sua história. Trata-se de uma rocha ígnea que foi formada a partir de um magma na base de um câmara magmática de um antigo vulcão marciano há cerca de 4,5 mil milhões de anos. 500 milhões de anos depois foi deformada por um violento choque, provavelmente o resultado de um impacto de um asteróide ou grande meteorito, ficando exposta aos agentes superficiais. Depois, há 3,6 mil milhões, um líquido circundante levou à deposição de glóbulos arredondados de um mineral carbonatado nas fissuras da rocha ígnea. Há cerca de 15 milhões de anos, o ALH 84001 foi expelido da superfície de Marte por um violento impacto tangencial que fez com que a rocha escapasse do campo gravítico do planeta, andasse à deriva pelo sistema solar e viesse a colidir na Antártida, há 13 mil anos, sendo encontrada em 1984. Doze anos depois, o seu estudo por David McKay e outros investigadores do Johnson Space Center da NASA levantou uma das grandes controvérsias planetárias dos últimos tempos. McKay e a sua equipa dizem ter descoberto nas formações carbonatadas do meteorito umas estruturas segmentadas e alinhadas que lembram bactérias fossilizadas, embora muito mais pequenas que qualquer estrutura viva da Terra, matéria orgânica do tipo de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (PAHs) e cristais de magnetite, por vezes o produto de actividade biológica. Outras equipas, principalmente o grupo de Harry McSween, da Universidade do Tennessee, talvez os maiores especialistas em meteoritos marcianos - os SNC, como são conhecidos - demonstraram que as estruturas em forma de anel são inorgânicas, bem como a magnetite, e os PAHs são contaminação terrestre, embora compostos deste tipo sejam comuns em muitos outros meteoritos e mesmo nas nuvens interestelares.
Apesar de não encerrada, a polémica em torno do ALH 84001 aponta para que as estruturas nada tenham que ver com processos biológicos. De qualquer forma este debate lançou a astrobiologia e a procura de vida em Marte para as primeiras páginas dos jornais e, consequentemente, para um série de financiamentos sobre a vida para além da Terra. Um assunto que continuaremos a analisar no próximo capítulo, dando ênfase às últimas e polémicas questões da astrobiologia.
- See more at: http://www.portaldoastronomo.org/tema_15_3.php#sthash.vzyCFHvj.dpuf Marte com uma vista preferencial do Valles Marineris e os três vulcões de Tharsis.
Crédito: USGS/NASA
Tanto quanto sabemos, a Terra é um planeta ímpar, não apenas no sistema solar, mas muito certamente na Galáxia e no universo. Condições muito especiais - a distância adequada ao Sol e uma diferenciação geológica peculiar - permitiram que o nosso Mundo adquirisse os requisitos necessários à origem e desenvolvimento de vida, entre as quais podemos destacar, entre muitas outros, a presença de água no estado líquido e uma estabilidade climática que, com ligeiras flutuações, tem sido factor determinante para a permanência e aparecimento de formas diversificadas de vida, como o documenta o registo fóssil. De simples células sem núcleo, a história da Terra documenta-nos o aparecimento de formas de vida mais complexas nos oceanos, o aparecimento de seres multicelulares e uma evolução, com interrupções, recuos e avanços, que levou a formas mais sofisticadas como os invertebrados, as plantas, os peixes, os anfíbios, os répteis, as aves e os mamíferos, no topo do qual colocamos a nossa espécie, uma espécie recente que se interroga sobre o significado da sua presença, sobre o seu futuro e, explora e modifica o meio em que surgiu.
Tradicionalmente, e de acordo com aquilo que são os nossos conhecimentos sobre as formas e limites que se impõe à vida, esta exige um planeta que, além de suficientemente pesado, para reter uma atmosfera, tenha a órbita a uma distância do Sol que lhe garanta temperaturas razoáveis, aquilo que se designa por "ecosfera planetária", uma zona do sistema solar que se estende um pouco para além da órbita de Vénus, abrange obviamente a Terra e engloba a órbita de Marte. No nosso sistema solar, Mercúrio está demasiado próximo do Sol e é muito quente para nele existirem a matéria e as condições indispensáveis aos organismos vivos. Plutão é excessivamente frio, e as reacções que levam à formação de compostos orgânicos não devem produzir-se a temperaturas muito baixas. Um planeta precisa de ter ainda o tamanho conveniente para aguentar uma atmosfera. A força gravítica é indispensável para evitar a fuga dos gases mais leves, necessários à realização dos processos biológicos e à retenção da água essencial à vida. A Lua, por exemplo, é demasiado pequena para reter uma atmosfera. Por outro lado, um planeta como Marte, ou Vénus, é suficientemente grande, embora este último, pelo "efeito de estufa" que apresenta, impossibilite a existência de algo vivo sobre a sua superfície. Todas estas restrições - distância ao Sol, dimensão do corpo planetário e composição química - reduziram o número de possíveis locais com vida, além da Terra.
No nosso sistema solar, Marte surge-nos como um planeta promissor. Sem nos alongarmos com todo o historial da descrição de canais e de antigas civilizações em Marte que remontam ao astrónomo Percival Lowell (1855-1916) e ao fascínio que a ficção e a humanidade sempre depositaram no Planeta Vermelho, reportemo-nos sumariamente aos resultados das diferentes missões a Marte e às observações que claramente sugerem que o planeta teve já condições diferentes das actuais e que poderão ter permitido a origem e o desenvolvimento de formas primitivas de vida. Com efeito, a superfície do planeta mostra-nos que Marte possuiu, numa fase inicial, um complexo sistema hidrológico, com possíveis grandes oceanos espalhados sobre a superfície. É também provável que a sua atmosfera tenha sido diferente e a temperatura muito certamente favorável às sínteses pré-bióticas.
Apesar de negativos, os resultados das três experiências biológicas do programa Viking, que em 1976 levou ao pouso de duas sondas na superfície marciana, fica sempre a dúvida se não se procurou no local errado. A análise química do solo, dos dois locais onde as Viking pousaram, também não mostrou sinais de compostos orgânicos, algo que se pode explicar pela ausência de uma camada de ozono, o que leva, na actualidade, a uma incidência de elevada radiação ultravioleta sobre a superfície, criando uma química destrutiva para eventuais compostos orgânicos.
Marte possui água no estado sólido. Os estudiosos pensam que ela se poderá encontrar um pouco abaixo da superfície, em regime de "permafrost". Os resultados das últimas sondas, em particular da Mars Global Surveyor e da Mars Odyssey, são bastante animadores e permitem condicionar a futura exploração de Marte por missões que arrancam já proximamente, como a sonda europeia Mars Express com o Beagle 2 um sofisticado "kit" laboratorial que, se tudo correr bem, pousará no Natal deste ano em Marte e iniciará um complexo estudo da procura de assinaturas de uma vida passada ou actual sobre o planeta. Outras missões se seguirão.
O quarto planeta do sistema solar, mostra-se, depois da Terra, como o local mais promissor a encontrar traços de vida, apresentando-se ainda como o mais adequado a uma exploração e ocupação humana no futuro.
Uma grande incógnita que paira sobre Marte é porque razão as suas condições são hoje bem diferentes das de um passado longínquo. Para muitos astrónomos, a ausência de um verdadeira lua, é talvez o factor responsável. Sabemos que na Terra, a Lua é importante na estabilização dinâmica do eixo de rotação terrestre, permitindo que a sua inclinação não flutue acentuadamente e, consequentemente, que o clima apresente uma certa estabilidade. Marte possui dois pequenos calhaus - Fobos e Deimos - dois velhos asteróides certamente capturados à cintura daqueles corpos. Não apresentam nenhum efeito sobre a estabilidade do eixo do planeta e por isso o clima em Marte é caótico variando entre períodos em que a água nos três estados é possível e outros em que o planeta mais parece um deserto ventoso. Tudo isso não obsta a que em formações sedimentares, perto dos pólos ou em antigos pequenos lagos alguns extremófilos possam ter sobrevivido ou tenham deixado o seu registo fóssil.
Visão artística da descida da sonda Huygens na atmosfera de Titã.
Crédito: NASA/ESA
Titã é um caso paradigmático no sistema solar. Um dos maiores satélites de Saturno, Titã é a única lua do sistema solar a possuir um densa atmosfera, um facto confirmado já em 1944 por Gerard Kuiper (1905-1973). Muita informação sobre esta lua foi obtida pelas sondas Voyager que em 1980 e 1982 passaram pelas proximidades deste mundo, revelando alguns dos seus segredos. A sua densa atmosfera é essencialmente composta por azoto, algum metano e hidrogénio que retêm algum do calor do Sol dando origem a um pequeno "efeito de estufa". Estes gases reagem numa química orgânica à qual a estabilidade climática de Titã está ligada. Experiências laboratoriais mostram que o metano é atingido fotoquimicamente produzindo etano, acetileno, etileno e, quando combinado com o hidrogénio, ácido cianídrico, uma molécula importante na elaboração de aminoácidos. A atmosfera do satélite é assim vista como uma espécie de Terra primitiva onde as primeiras síntese pré-bióticas tiveram lugar.
Observações recentes no infravermelho, efectuadas pelo Telescópio Espacial Hubble e pelos telescópios Keck mostram regiões escuras na superfície do satélite, com dimensões de 250 Km, estruturas que poderão corresponder a oceanos e lagos líquidos de etano que devem cobrir parte do satélite. Pensa-se também que lua é sujeita a chuvas de metano líquido, um cenário que poderá às sínteses bióticas. De acordo com alguns investigadores, as zonas mais claras de Titã, evidenciadas pelo Hubble e Keck podem corresponder a planaltos de gelo de água, envolvidos pelas manchas escuras que corresponderiam a superfícies sólidas e líquidas de moléculas orgânicas. É todo este fabuloso mundo que a sonda Huygens, a bordo da missão Cassini, irá tentar estudar a partir de Novembro de 2004, quando atravessar a atmosfera de Titã e pousar na sua superfície. Esperam-se importantes revelações para compreender toda a química que antecede a origem da vida.
Superfície de Europa com a intrincada rede de fracturas
e dinâmica crustal , processo ligados à actividade
do oceano interior do satélite.
Crédito: NASA/JPL
Europa, um dos mais pequenos satélites dos quatro grandes que orbitam Júpiter, tornou-se subitamente um dos mais promissores mundos para a astrobiologia, quando em 1979, o encontro com a sonda Voyager 2 confirmou aquilo que há muito se especulava: o satélite possuía um oceano de água interior, como consequência do efeito de maré provocado pelo gigante Júpiter. Não apenas a presença de água líquida mas a possibilidade da existência de fontes hidrotermais interiores, resultantes da energia que aí se acumula, são factores que permitem o desenvolvimento de comunidades vivas independentes da luz solar, algo semelhante ao que se passa nas chaminés vulcânicas dos fundos oceânicos onde arqueobactérias realizam quimiossínteses que estão na base de gigantescos e atípicos ecossitemas.
Quem sabe se o mesmo não se passará em Europa e noutros satélites de Júpiter (Calisto é também um caso apontado) ? O estudo efectuado pela sonda Galileo veio fornecer muitos mais dados sobre estes fascinantes satélites e colocar a questão da necessidade de uma exploração dos oceanos interiores de Europa. Embora ainda nada esteja decidido, algumas missões começam já a ser desenhadas e a construção de "criorobôs", submersíveis automáticos que furem a camada de gelo e penetrem nos oceanos interiores de Europa está já nos planos de alguns programas astrobiológicos da NASA. O aproveitamento de algumas fracturas visíveis na superfície de Europa que darão acesso mais facilitado a esse oceano de incógnitas será uma via a explorar, embora difíceis problemas tecnológicos se coloquem a um futura exploração de Europa.
A química orgânica do sistema solar não se limita aos mundos que acabamos de falar. Dissemos já no capítulo anterior que os núcleos cometários e alguns meteoritos primitivos, como os condritos carbonáceos, são repositórios de matéria orgânica que teve origem na própria nébula. Para além de certamente terem contribuído com esse material para as superfícies planetárias, o estudo destes dois tipos de corpos ainda tem muito para nos ajudar a compreender os passos intermédios entre a matéria inorgânica e a vida.
Hipotéticas formas fossilizadas no meteorito ALH 84001.
Crédito: NASA
Um caso mediático e que não gostaríamos de deixar de opinar é relativo à proclamada descoberta de fósseis marcianos no meteorito ALH 84001. Embora não restem dúvidas da proveniência do meteorito de Marte, como consequência de um violento impacto sobre a superfície, o mesmo não se pode dizer das alegadas estruturas biológicas fossilizadas presentes no mesmo. Outras sugestões parecem explicar muitas das observações.
O estudo geológico do ALH 84001 revela a sua história. Trata-se de uma rocha ígnea que foi formada a partir de um magma na base de um câmara magmática de um antigo vulcão marciano há cerca de 4,5 mil milhões de anos. 500 milhões de anos depois foi deformada por um violento choque, provavelmente o resultado de um impacto de um asteróide ou grande meteorito, ficando exposta aos agentes superficiais. Depois, há 3,6 mil milhões, um líquido circundante levou à deposição de glóbulos arredondados de um mineral carbonatado nas fissuras da rocha ígnea. Há cerca de 15 milhões de anos, o ALH 84001 foi expelido da superfície de Marte por um violento impacto tangencial que fez com que a rocha escapasse do campo gravítico do planeta, andasse à deriva pelo sistema solar e viesse a colidir na Antártida, há 13 mil anos, sendo encontrada em 1984. Doze anos depois, o seu estudo por David McKay e outros investigadores do Johnson Space Center da NASA levantou uma das grandes controvérsias planetárias dos últimos tempos. McKay e a sua equipa dizem ter descoberto nas formações carbonatadas do meteorito umas estruturas segmentadas e alinhadas que lembram bactérias fossilizadas, embora muito mais pequenas que qualquer estrutura viva da Terra, matéria orgânica do tipo de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (PAHs) e cristais de magnetite, por vezes o produto de actividade biológica.
Outras equipas, principalmente o grupo de Harry McSween, da Universidade do Tennessee, talvez os maiores especialistas em meteoritos marcianos - os SNC, como são conhecidos - demonstraram que as estruturas em forma de anel são inorgânicas, bem como a magnetite, e os PAHs são contaminação terrestre, embora compostos deste tipo sejam comuns em muitos outros meteoritos e mesmo nas nuvens interestelares.
Apesar de não encerrada, a polémica em torno do ALH 84001 aponta para que as estruturas nada tenham que ver com processos biológicos. De qualquer forma este debate lançou a astrobiologia e a procura de vida em Marte para as primeiras páginas dos jornais e, consequentemente, para um série de financiamentos sobre a vida para além da Terra. Um assunto que continuaremos a analisar no próximo capítulo, dando ênfase às últimas e polémicas questões da astrobiologia.
Da Terra Rara à Xenobiologia
Frank Drake e a sua famosa equação que tenta calcular o número de civilizações tecnológicas na nossa galáxia com a possibilidade de estabelecerem comunicações entre si. Crédito: SETI Institute
Existe um consenso entre os astrobiólogos de que os locais onde a vida surgiu parecem ser frequentes em diferentes partes do universo. A matéria-prima para a vida e as moléculas orgânicas aparecem-nos por todo o lado, desde alguns meteoritos primitivos, nos cometas, nos planetas gigantes, em muitos satélites desses planetas e no espaço interplanetário. O espaço entre as estrelas e mesmo as nuvens que estão a originar estrelas e planetas estão repletos de água, de matéria orgânica e energia necessária às sínteses pré-bióticas. Claro que isto não é o mesmo que afirmar que a vida existe nesses locais, mas considerando a imensidão do espaço, as condições em que a vida surgiu na Terra e os ambientes favoráveis e convidativos que existem será insensato pensar que a vida só na Terra encontrou as condições ideais para se desenvolver.
Mas que dizer de formas evoluídas de vida ?
Vida inteligente e vida que tenha a capacidade de comunicar com a nossa espécie ?
Na segunda metade do século XX criou-se a ideia de que a vida inteligente era quase uma inevitabilidade cósmica e muitos calcularam mesmo quantas civilizações extraterrestres existiriam na nossa galáxia. Imbuídos de um optimismo que Carl Sagan (1934-1996) tanto ajudou a criar, várias foram as propostas para o número de planetas habitados e um cálculo muito lógico é apresentado pelo cientista, escritor de ficção científica e divulgador Isaac Asimov (1920-1992) no seu livro "Extraterrestrial Civilizations". Depois de uma aturada análise dos factores que influenciam o aparecimento de planetas, vida, vida inteligente e civilizações tecnológicas do tipo da nossa, Asimov chega à conclusão que "o número de planetas na nossa galáxia nas quais existem hoje civilizações tecnológicas é de 530 mil". O raciocínio de Asimov baseia-se na análise dos parâmetros de uma fórmula para o cálculo do número de civilizações comunicativas apresentada pelo astrónomo Frank Drake, hoje conhecida como Fórmula de Drake e que tem a seguinte expressão:
N = R* x fp x ne x fe x fl x fc x L
em que R* é a velocidade média de formação de estrelas; fp é a fracção de planetas; ne representa o número médio de planetas em cada sistema planetário com condições ideais para a origem e evolução de vida; fe corresponde à fracção de planetas em que a vida pode realmente desenvolver-se; fl a fracção de planetas possuidores de vida, onde se tem desenvolvido vida inteligente; fc a fracção de planetas onde há vida inteligente, que pode dar origem a uma civilização comunicativa; L o tempo de existência de uma civilização técnica.
De todos os factores apresentados, os astrónomos apenas tem um real conhecimento de R* das estatísticas estelares e observações astrofísicas, e, nos últimos tempos, algo se pode dizer da fracção de estrelas com planetas. Todos os outros factores são verdadeiras incógnitas e é curioso ver as diferentes e mais variadas aproximações a cada um deles. Em resumo, pode dizer-se que para uma galáxia do tipo da Via Láctea N, o número de civilizações tecnologicamente avançadas com capacidade de comunicar connosco pode variar entre vários milhões e um - a nossa.
Por estas razões os astrónomos encetaram, desde 1960, um programa de procura e escuta de possíveis civilizações extraterrestres, uma iniciativa que tem hoje continuidade no SETI Institute, uma entidade não governamental que coordena diferentes projectos de procura de sinais de prováveis civilizações extraterrestres. É um programa ingrato, porém entusiasmante e necessário. Como já alguém afirmou a propósito do "Search for Extraterrestrial Intelligence", "é como procurar uma agulha num palheiro sem saber se a agulha lá está".
Uma coisa porém que dá que pensar a muita gente é porque razão, se há noutros mundos seres superiores, eles não comunicam connosco nem nunca nos visitam. Seria de esperar, pelo menos, que tivessem deixado sinais das suas visitas. Estaremos sós no Universo ? Onde está toda a gente ?
Esta foi a pergunta que há pouco mais de meio século o físico Enrico Fermi (1901-1954), Prémio Nobel da Física, inteligentemente colocou. Depois da bomba atómica, no início da escaldante Guerra Fria e na paranóia norte-americana dos discos voadores, esta era uma pergunta inevitável. Ficou conhecida como Paradoxo de Fermi e desde que foi apresentada centenas de respostas têm sido apresentadas, embora nenhuma verdadeiramente satisfatória.
Será que as civilizações, por um fanatismo social ou religioso, colapso económico ou esgotamento das reservas energéticas e alimentares, guerras, epidemias ou outras catástrofes se destroem ? Será que a vida forçosamente, noutros locais, evoluiu no sentido da inteligência e de formas semelhantes à nossa, com curiosidade, o gosto pela exploração espacial e o interesse em contactar eventuais extraterrestres ?
Para alguns, mais próximos das paraciências, a questão já tem resposta: os ET's andam por aí, já nos visitaram, quem sabe até favoreceram o nosso aparecimento, mas mantêm uma postura mais ou menos discreta. Muito bem: e onde estão as provas ? Se queremos brincar com o assunto é melhor dizer que os extraterrestres existem, escutam as nossas contínuas e diversificadas emissões televisivas e, com efeito, perante a quantidade de lixo televisivo e atrocidades que são enviadas para o "éter", eles não nos acham de forma nenhuma inteligentes e dignos de uma visita, uma sugestão que eu apoio, se é que há extraterrestres para nos escutarem.
Em 2000, dois astrobiólogos da Universidade de Washington, o paleontólogo Peter Ward e o astrofísico Donald Brownlee, lançaram um polémico e revolucionário livro ("Rare Earth") em que explicavam porque a vida complexa é pouco comum no universo. Baseados no único exemplo que temos à disposição - a Terra - aqueles estudiosos, esquematizaram um grupo de requisitos raros de acontecerem no conjunto, mas necessários para que a vida pudesse atingir formas superiores como a nossa. Lançaram a teoria da Terra Rara que constitui uma mudança de paradigma num assunto que tanta discussão tem gerado.
A tese daqueles cientistas é baseada no amplo conhecimento da história da Terra e nas exigências cósmicas que tornam difícil o desenvolvimento da vida para formas mais complexas que as simples bactérias. Embora discutam os amplos limites em que a vida simples pode adaptar-se - os extremófilos outrora inimagináveis na Terra e que podem ser frequentes por todo o universo e mesmo no nosso sistema solar - Ward e Brownlee lembram as condicionantes e contingências para que a vida se desenvolva para formas mais complexas.
Há um conjunto de exigências cósmicas e terrestres que tornam difíceis a vida deixar a forma microbiana. E muito menos, obtermos um "filme" da vida semelhante ao que se passou na Terra. Só nos últimos tempos, fruto do acumular de conhecimentos geológicos e astronómicos, é possível aos cientistas apreciar os factores raros que permitiram cooperar para tornar a Terra uma casa ideal para a vida complexa. Entre muitos outros, a órbita estável de Júpiter, a presença da Lua, os megaimpactos de cometas e asteróides e as extinções em massa, a Tectónica de Placas, a quantidade ideal de água e a posição correcta do planeta, não apenas no sistema solar, mas na Galáxia. Seria necessária a análise de todos estes factores, impossível de aqui ser feita com pormenor, mas os geocientistas sabem bem como a história da vida na Terra e o aparecimento de espécies mais complexas, algo mais que as simples bactérias, é um fenómeno difícil e contingêncial.
Falemos num caso muito interessante, designado por "explosão do Câmbrico". Há 545 milhões de anos, dá-se na Terra uma impressionante explosão da vida, por muitos designada o "big bang" da evolução animal. O que se passou nessa altura ? Não se sabe ao certo, mas por essa época, as rochas registam uma variada e complexa fauna de invertebrados. Os mais vulgares eram talvez as trilobites (artrópodes que apresentam o corpo trilobado longitudinalmente e transversalmente). Alguns jazigos de fósseis dessa altura, como os famosos xistos de Burgess, no Canadá, apresentam estranhas criaturas fossilizadas que hoje estão completamente extintas. Outros artrópodes, pólipos, holotúrias e mais de 50 mil espécies foram já descritos.
A sobrevivência de Pikaia, um cordado dos tempos câmbricos que está na ascendência da nossa espécie, foi uma simples contingência da história da Terra. Se Pikaia se tivesse extinto nós certamente não estaríamos aqui. Crédito: Adaptado de Gould (1989)
A verdade é que quase todos esses seres do câmbrico desapareceram misteriosamente. Entre outros, houve um muito especial, porém, que escapou e evoluiu rapidamente. Chamava-se "Pikaia" e é o cordado mais antigo que se conhece. Foi uma das inúmeras hipóteses que na altura poderiam ter resultado. Se "Pikaia" não tivesse sobrevivido, nós estávamos fora da história futura - todos nós, desde o tubarão, o beija-flor, o chimpanzé, etc.. A sobrevivência de "Pikaia" foi uma simples contingência, um acaso da história da vida no nosso Mundo. Para o paleontólogo Stephen Jay Gould (1941-2002), "o facto de a evolução ter incluído o 'Homo sapiens' é uma maravilha, pois uma cadeia de eventos tão curiosa, provavelmente, nunca ocorreria de novo".
Outro argumento em favor da ideia da Terra Rara tem sido a descoberta de novos sistemas planetários. Desde que em 1995, os astrónomos Michel Mayor e Didier Queloz, do Observatório de Geneva anunciaram a descoberta de um planeta em torno da estrela 51 Pegasi, as revelações de outros planetas, em torno de estrelas com características semelhantes às do Sol, não pararam de surgir. São conhecidos para cima de 100 estrelas acompanhadas de planetas. Estes aparecem geralmente em estrelas com características muito idênticas às do nosso Sol e com uma atmosfera estelar enriquecida em elementos pesados, quando comparada com a maioria das estrelas da vizinhança solar. Esta indicação é um facto importante não apenas para a continuação das buscas futuras mas também para nos ajudar a compreender como se formam os sistemas planetários.
Planetas gasosos em órbitas muito próximo das estrelas parece ser a mais a regra dos novos sistemas planetários que desde 1995 vêm sendo descobertos. Crédito: David Aguilar. Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics
Com base em modelos teóricos, análise de discos de poeira em torno de outras estrelas e com as informações dos meteoritos, os astrónomos sabem como o nosso sistema solar se formou a partir de uma nuvem interestelar enriquecida em elementos pesados e que por rotação e achatamento para o plano equatorial deu origem aos diferentes corpos (planetas, satélites, asteróides e cometas) que hoje observamos no Sistema Solar. Os corpos mais refractários (com minerais e ligas de metais) encontram-se na proximidade do Sol e os planetas gigantes e gasosos ocupam as zonas mais distantes. Há uma lógica para que isto assim seja: quanto mais nos afastamos do Sol, menores as temperaturas e consequentemente a razão da distribuição atrás exposta.
Esta particularidade, todavia, não tem sido notada nos novos sistemas planetários. Também ainda não existe tecnologia que permita detectar planetas do tipo terrestre. Só daqui por alguns anos, com o recurso a novos métodos de observação e telescópios que trabalharão em interferometria, será possível inferir da existência de corpos com 10 vezes a massa da Terra e daí ficar com melhores ideias sobre como os sistemas planetários se formam.
O grande problema com os novos sistemas planetários - com um, dois ou três planetas, em torno da estrela central - é que os grandes planetas estão situados bem perto da estrela, às vezes em órbitas que por vezes caberiam dentro da órbita de Mercúrio em torno do Sol. Para além da dificuldade em explicar estas órbitas, a sua verificação deixa pouco ou nenhum espaço para a presença de corpos mais pequenos, com uma superfície sólida e com água líquida.
Se estas descobertas são a norma - como tudo até agora parece apontar - então o nosso sistema planetário é uma excepção. Mas se há uma excepção é bem possível que existam muitas mais...
O Projecto Darwin da Agência Espacial Europeia que certamente possibilitará no futuro a descoberta de planetas tipo terrestre.Crédito: ESA
Como seria de esperar a teoria da Terra Rara, de Ward e Brownlee esteve nos últimos anos sujeita a um intenso bombardeamento intelectual, principalmente por parte de astrónomos e biólogos. Para o matemático Ian Stewart e o biólogo Jack Cohen, as ideias da Terra Rara mostram um certo provincianismo biológico, uma espécie de recusa perante as possibilidades que a vida e a sua evolução podem assumir. Formas bem diferentes e inesperadas de sistemas de informação e replicação podem existir no universo. Formas com bioquímicas de alternativa, com solventes como o amoníaco, uma química à base do silício, ou criaturas ainda mais exóticas, cuja existência poderá depender da conversão directa de radiação. No fundo, sistemas independentes do carbono e do código genético vivendo no vazio do espaço cósmico, mesmo até independentes da própria matéria. Ficção científica ?
Os dois autores, conhecidos cientistas e investigadores nas ciências da complexidade, dizem que não.
Mas a existirem essas estranhas formas de vida caberiam na categoria da vida-como-nós-não-a-conhecemos. E isso, obviamente ultrapassa o próprio domínio da astrobiologia, o estudo da vida no universo, da vida-tal-como-nós-a-conhecemos. E para estes cientistas um olhar para a vida no cosmos deve seguir os princípios da xenobiologia, a biologia do estranho, quiçá um capítulo futuro da astrobiologia e que foge inteiramente aos métodos científicos de hoje.
O bioquímico J. B. Haldane (1892-1964) afirmou um dia que "o universo não é mais estranho do que imaginamos, mas mais estranho do que pudemos imaginar". Os actuais estudos nesta fervilhante área do conhecimento que é a astrobiologia assim o mostram. Uma área em que os temas abraçam já os currículos de prestigiadas universidades internacionais, com dinâmicos e interdisciplinares centros fazendo investigação de ponta ligada às grandes agências espaciais. Uma ciência que terá certamente um futuro muito promissor.
Autoria:
José Fernando Monteiro
Geólogo. Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
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